1978-2008 Lorenzo Odone O menino doente, os pais e o óleo deles

Foi o menino que deu nome ao "óleo de Lorenzo",
uma preparação que os seus pais inventaram para tentar salvá-lo quando, aos seis anos, lhe foi diagnosticada uma doença genética terrível, rara e mortal em dois anos. Morreu a 30 de Maio; tinha acabado de fazer 30 anos

a No filme Lorenzo"s Oil, de 1992, Nick Nolte e Susan Sarandon são pais de uma criança de seis anos, Lorenzo, a quem é diagnosticada uma gravíssima doença chamada adrenoleucodistrofia (ALD). Os médicos dão a Lorenzo dois anos de vida e de sofrimento. Este rapazinho precoce e cheio de energia, que fala várias línguas, vai rapidamente tornar-se surdo, cego, mudo. O seu cérebro vai dissolver-se, as suas funções fisiológicas vão deixar de funcionar. Augusto e Michaela Odone enfrentam um pesadelo sem nome.
A ALD atinge uma em cada 20 mil pessoas. Devida a um defeito genético no cromossoma sexual X, é transmitida pelas mães aos seus filhos rapazes (que apenas possuem uma cópia desse cromossoma). As mulheres podem ser portadoras do defeito e ter leves manifestações da doença, mas nunca contraem a forma grave. Na sua forma mais agressiva, a ALD atinge rapazes com cinco a 12 anos, que começam por sofrer perturbações do comportamento e da memória, para além de problemas de visão, audição e descoordenação motora, etc...
O defeito genético responsável pela ALD faz com que o invólucro protector dos nervos, feito de mielina, seja progressivamente corroído, o que conduz a uma lenta destruição do cérebro e impede a passagem dos influxos nervosos. A ALD também se caracteriza pela acumulação de determinadas gorduras no sangue e no cérebro:
os ácidos gordos saturados
de cadeia longa.
Os Odone, convencidos de que deve existir uma maneira de salvar a vida de Lorenzo, iniciam então uma encarniçada luta. Abandonam os seus empregos, hipotecam a casa e tornam-se em pouco tempo especialistas mundiais da doença, organizando congressos internacionais e informando sobre a doença as famílias cujos filhos sofrem de ALD. Com uma energia quase sobre-humana, e apesar dos obstáculos e do cepticismo generalizado, desenvolvem, com a ajuda do neurologista Hugo Moser (interpretado no filme por Peter Ustinov), uma preparação à base de azeite e de óleo de colza extremamente purificados, que esperam possa travar a acumulação patológica de gorduras e a deterioração física e mental do seu filho.
Gordura contra as gorduras
A teoria é que os doentes com ALD não possuem uma enzima capaz de cortar aos bocadinhos as moléculas das gorduras de cadeia longa, o que faz com que o seu organismo não consiga compensar a acção de uma outra enzima, que todos temos no organismo, que é responsável pelo fabrico de ácidos gordos de cadeia longa. Mas, como esta segunda enzima constrói as gorduras de cadeia longa a partir das moléculas que tiver à mão, se o doente com ALD ingerir as gorduras insaturadas certas e fizer uma dieta pobre em gorduras saturadas de cadeia longa, a enzima acabará por fabricar cadeias longas utilizando componentes que são inofensivos, o que deverá permitir reduzir substancialmente os níveis de gorduras nefastas em circulação. Para esse efeito, o óleo de Lorenzo contém dois tipos de gorduras insaturadas: ácido oleico e ácido erúcico.
No filme, bem à maneira de Hollywood, o resultado da administração do óleo é espectacular: em poucas semanas, faz descer as taxas de gordura no sangue de Lorenzo para níveis normais. Mas entretanto a saúde do rapaz deteriorou-se tanto que tem de ser alimentado com uma sonda nasal, já não comunica com o mundo exterior e sofre horríveis crises parecidas com epilepsia.
Contudo, o filme tem um quase happy end. Termina dizendo que o estado de Lorenzo - o rapaz do mundo real, que em 1992 tinha 14 anos, tendo já largamente ultrapassado o prazo de dois anos de vida prognosticado pelos médicos - melhorou graças ao óleo. Consegue mexer algumas partes do corpo e emitir alguns sons. O óleo não é uma cura, mas mantém Lorenzo em vida, à espera que seja finalmente descoberta a maneira de lhe restituir totalmente a saúde.
A história verdadeira
Apesar da sua discutível qualidade cinematográfica, o filme tem momentos de grande dramatismo e já fez verter lágrimas a muitos espectadores. Mas quando se estreou nos EUA gerou uma grande polémica, com muitos especialistas a acusarem-no de denegrir de forma injusta a comunidade médica e científica e de apresentar o óleo de Lorenzo como uma panaceia - que não é.
É certo que, numa entrevista ao Independent, em 1989 (quando o filme se estreou, o verdadeiro Lorenzo já estava doente há oito anos), Michaela Odone tinha declarado que o filho conseguia novamente mexer as pálpebras e os dedos e engolir pequenas quantidades de alimentos moles. Mas para Lorenzo era tarde demais.
Moser continuou durante anos, até à sua morte em 2007, a estudar a eficácia do óleo de Lorenzo. E, em 2005, um artigo publicado na revista Archives of Neurology e co-assinado por ele e por Augusto Odone, entre outros (Michaela morrera em 2000, vítima de cancro do pulmão), concluía que a preparação dos Odone conseguia fazer diminuir significativamente o risco de aparecerem sintomas da doença em rapazes portadores do defeito genético responsável. "Aconselhamos", escreviam os cientistas, "um tratamento com óleo de Lorenzo em rapazes assintomáticos com adrenoleucodistrofia cujos exames de ressonância magnética cerebral se revelaram normais."
Lorenzo nunca recuperou a saúde perdida, como tinham sonhado os seus pais. Mas conseguiu viver quase um quarto de século com a doença - graças em parte ao óleo, acredita o pai - e rodeado dos cuidados dispensados por Augusto e Michaela, que nunca desistiram, e do pessoal de saúde que passou pela casa dos Odone ao longo de mais de duas décadas. "Não conseguia ver nem comunicar, mas ainda estava connosco", declarou Augusto Odone, citado pela BBC online, ao anunciar a morte de Lorenzo no passado fim-de-semana.
Nos últimos dias, tinha contraído uma pneumonia ao aspirar acidentalmente alimentos para as vias respiratórias. Morreu a 30 de Maio, na sua casa na Virgínia, um dia a seguir ao seu trigésimo aniversário.
Lorenzo tinha uma meia-irmã, Cristina Odone, jornalista e escritora, que se lembra muito bem da altura em que a doença do irmão mais novo foi diagnosticada. Ela não vivia nos EUA, mas conta o que sentiu quando lá voltou para visitar a família, no Natal de 1984. "A mudança radical já tinha acontecido", explicava há dias no jornal britânico The Guardian. "A minha mãe e o meu pai também tinham mudado. O meu pai, que tinha sempre tido uma vontade de ferro, tinha agora uma única obsessão. E Michaela também. Para além disso, o meu pai tinha mudado fisicamente. Tinha o cabelo totalmente branco. Estava irreconhecível. E tão encurvado..."
"Sente-se um certo alívio", acrescenta Cristina Odone. "Lorenzo já tinha sobrevivido a tantos de nós - à minha tia, à minha mãe, ao Dr. Moser. Vivíamos com esta questão aterradora: o que aconteceria se viéssemos todos a morrer antes dele?"

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