1936-2008 Yves Saint Laurent Vestidas para o poder

Deu liberdade às mulheres, vestiu-as de smoking, teve uma "enorme ousadia" a misturar cores. A alta costura perdeu mais um dos criadores da época dourada

Colecção Primavera--Verão 1995
No desfile, de 2002, YSL mostrou 300 criações
O vestido Mondrian
de 1965
O smoking, imagem de marca de 1966-67
a Em 1957, quando o mítico costureiro francês Christian Dior morreu e foi substituído por um jovem de 21 anos de nome Yves Saint Laurent, o mundo da alta costura suspendeu a respiração.
Afinal, a Casa Dior era responsável por quase metade das exportações de roupa francesa e para muitos era impossível substituir Dior, sobretudo por um jovem franzino que chegara a Paris há pouco mais de três anos, oriundo da Argélia. A fasquia era altíssima, mas a colecção Trapézio, como ficou conhecida, foi aplaudida e elogiada pela crítica.
A França respirou de alívio: um grande costureiro acabara de nascer. Yves Saint Laurent era um génio e o negócio da moda estava salvo. Morreu anteontem, de cancro, em Paris. Tinha 71 anos.
"Chanel deu liberdade às mulheres, Yves Saint Laurent deu-lhes poder." É assim que Pierre Bergé, seu companheiro de vida e de negócios, define o designer com quem construiu a casa Yves Saint Laurent (YSL), em 1961.
Se Coco Chanel subiu a bainha das saias, permitindo maior liberdade de movimentos, YSL vestiu as novas mulheres - aquelas que, depois da Guerra, começaram a trabalhar lado a lado com os homens, as que chegaram ao poder. No fundo, desenhou roupas que reflectiam a mudança do papel da mulher na sociedade: mais confiante, quer a nível profissional quer pessoal e sexual.
"YSL tem uma nova maneira de ver a mulher, num sentido mais masculinizado, mas tornando-a feminina", define o designer português Manuel Alves, que faz dupla com José Manuel Gonçalves. Ambos lamentam a morte do criador; Gonçalves defende mesmo um dia de "luto mundial pelo génio".
Mudar as mentalidade
O poder que YSL dá às mulheres está numa roupa tradicionalmente masculina, mas que é adaptada aos contornos da silhueta feminina. O smoking feminino, criado em 1966, é uma das peças que muitos estilistas elegem como a marca do trabalho de YSL - porque "fez mudar as mentalidades", justifica Manuel Alves. Ao fato escuro, por regra usado pelos homens, YSL acrescentou uma blusa de tule transparente.
Este fato foi vestido pela actriz Lauren Bacall, mas também serviu de contexto a um pequeno escândalo na alta sociedade nova-iorquina, em 1968, quando Nan Kempner, uma socialite, tentou jantar num restaurante de Manhattan e foi impedida de entrar por estar de calças. Decidiu despi-las e jantou só com o casaco, que parecia um vestido curto.
Yves Henri Donat Mathieu Saint Laurent foi uma criança tímida, que evitava fazer desporto e adorava teatro. Aos 11 anos, conta o New York Times, viu uma peça de Molière e construiu um pequeno teatro em miniatura, com todas as personagens. Na adolescência desenhou as primeiras roupas para a mãe, que se tornou sua fã incondicional.
O pai gostaria que Yves estudasse Direito, mas quando o jovem chegou a Paris, aos 17 anos, optou pela Chambre Syndicale de la Haute Couture. Pouco depois, ganhou o seu primeiro prémio, atribuído pelo Secretariado Internacional da Lã, pelo desenho de um vestido de cocktail. Christian Dior quis conhecer o jovem autor, pois reconheceu no desenho de YSL algumas semelhanças com o que ele próprio estava a fazer. Acabou por contratá-lo para seu assistente, apelidando-o de "delfim" ou "braço direito".
Com a trágica morte de Dior, Saint Laurent assume o cargo de principal designer da casa de alta costura. Mas cedo se percebe que a mulher sobre a qual desenha é diferente da do seu mestre. YSL começa a adoptar elementos da cultura juvenil, como os blusões de couro, as camisolas de gola alta e as saias curtas, rejuvenescendo a mulher clássica.
Em Setembro de 1960 foi chamado para o serviço militar, uma experiência que o marcou negativamente. Essa época justifica as depressões em que cai sistematicamente, bem como o abuso de álcool e drogas. A sua ausência foi aproveitada pela Dior para substitui-lo, mas YSL processa a empresa e com a indemnização cria a sua própria casa de alta costura, em associação com Pierre Bergé, responsável pela gestão financeira e comercial. A primeira colecção, datada de 1962, foi um êxito.
Saint Laurent desenhou o guarda-roupa para vários filmes, entre eles Belle de Jour, fazendo de Catherine Deneuve uma das suas musas. Vestiu Marguerite Yourcenar para a cerimónia de admissão à Academia Francesa, em 1981, e destacou-se também quando homenageou vários pintores - como Mondrian, Picasso e Braque - com vestidos que reproduzem os seus quadros.
"Marcou a moda pela forma como trabalhava as cores, o volume e as formas, de um modo completamente diferente do habitual", defende o criador Nuno Baltazar. É de uma "enorme ousadia" a mistura de cores, do vermelho com o rosa, do preto com o azul ou do fúchsia com o amarelo, ligações que à partida parecem de mau gosto, acrescenta.
Época dourada
Felipe Oliveira Baptista, criador radicado em Paris e que ganhou uma bolsa do Governo francês, em parte financiada pela Fundação Pierre Bergé-Yves Saint Laurent, criada em 2002, destaca outra faceta do designer agora falecido: "Tem um lado bastante representativo do chic parisiense."
Quando, em 2002, se despediu do mundo da moda, Saint Laurent, então com 65 anos, fez questão de lembrar que "a moda não serve apenas para decorar as mulheres, mas para lhes dar confiança". À frente da sua marca ficou o designer Tom Ford; hoje é Stefano Pilati que lhe procura seguir as pisadas.
Homenageado em vida com várias exposições - a primeira retrospectiva do seu trabalho foi exposta no Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, em 1983 - e laureado pelo Governo francês, YSL é um dos últimos criadores da época dourada da alta costura parisiense. O funeral sai da igreja de Saint-Roch, em Paris, na sexta-feira.

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