O petróleo depois do desenvolvimento

A Noruega teve sorte: é um país rico que descobriu crude quando já era desenvolvido. Já disse duas vezes "não" à entrada na UE

a A estação de comboios National Theatret, no centro de Oslo, está mais colorida. As famílias tiraram dos armários os trajes tradicionais da Noruega e agora pintam as escadarias em tons de vermelho, preto e branco. As mulheres trazem adornos dourados à volta do pescoço. Cato Tansoy põe a mão ao bolso e tira mais uma moeda para o bilhete. "Estamos a celebrar a nossa Constituição", diz. É 17 de Maio, dia nacional da Noruega. O dia em que, em 1814, o país rompeu a sua união com a Dinamarca e passou a ter as próprias leis.Chove muito, mas a chuva não perturba a festa. No relvado em frente ao palácio real, milhares de crianças das escolas desfilam ao som das bandas de música.
A música é mais intensa ao chegar ao palácio. Lá em cima, o rei Harald V e a rainha Sonja revezam-se nos acenos que se prolongam por toda a manhã. Cá em baixo, admira-se o chapéu alto do rei ou o vestido branco da rainha.
Cato Tansoy tem 39 anos, é engenheiro informático na General Electric e pai de quatro filhos. "Aqui não temos muitos problemas sociais e a taxa de desemprego é baixa", diz. Só lamenta os elevados impostos, que dependem do salário mas podem chegar aos 50 por cento. As estatísticas referiam, em 2005, que o salário médio era de 3500 euros para as mulheres e 4000 euros para os homens. Agora já rondará os 66 mil euros anuais.
A riqueza será a principal razão que levou os noruegueses a escolher ficar de fora da União Europeia nos referendos de 1972 e 1994, mas nem o rei nem o Governo parecem dar especial importância ao facto. "Geograficamente, somos parte da UE. Somos parte da comunidade", disse Harald V ao grupo de jornalistas portugueses que, na semana passada, recebeu em Oslo. "Houve um referendo, que respeitamos, mas a Europa é, há anos, o nosso maior mercado, a começar pelo peixe", acrescentou, mais tarde, o ministro do Comércio e Indústria, Dag Terje Andersen.
Apesar de não ser membro da UE, a Noruega integra o espaço económico europeu e assinou o acordo de Schengen, que permite a livre circulação de pessoas e bens. Tem o segundo maior PIB per capita do mundo, a seguir ao Luxemburgo, e só é ultrapassada pela Islândia no índice de desenvolvimento humano. Ainda assim, Harald V gostaria de ver resolvidos alguns problemas. "Acreditem ou não, temos pobreza. Pessoas que não se integram na sociedade." Depois, explica que há também um problema de recursos humanos. "Temos muito dinheiro, mas não temos muitas pessoas."
Na sua visita oficial a Portugal, que hoje começa, Harald V e a rainha Sonja, mais os responsáveis de 60 empresas, irão falar sobretudo de cooperação na área das energias renováveis, mas também de pescas ou da investigação sobre o cancro. Ainda em Oslo, Harald V estava entusiasmado com a viagem. "É um país muito importante para nós. Cerca de 40 por cento do bacalhau que exportamos vai para Portugal."
Stavanger, capital do crude
Os rebanhos dão vida às colinas que levam a Stavanger. Rune Helgo explica que chegou a esquiar ali, quando era miúdo. Naquela altura as colinas tinham neve, mas agora estão verdes. Como nasceu ali, nos anos 1940, assistiu a todas as mudanças na cidade que agora é a capital do petróleo.
"Foi em 1962 que aqui chegaram os primeiros americanos", recorda o guia turístico. Iam trabalhar na exploração do petróleo no Mar do Norte, que acabava de ser descoberto. A mudança foi económica, mas também alterou os costumes.
Cerca de 17 por cento dos 120 mil habitantes de Stavanger vieram de outros países e há muito que foi criada a escola americana. Há uma universidade com cinco mil alunos que estudam sobretudo economia e outras áreas ligadas ao petróleo, e há também o Instituto Internacional de Investigação de Stavanger, que simula em terra uma plataforma petrolífera. É lá que se testam os equipamentos que depois são usados nas plataformas.
A Noruega é o quinto maior exportador e o décimo maior produtor de petróleo do mundo. O Estado tem 60 por cento da StatoilHydro, a empresa que controla o sector, e 90 por cento da produção é exportada. Foi criado um Fundo de Pensões Global para guardar parte dos lucros para as gerações futuras que já acumulou 250 mil milhões de dólares, o que equivale ao PIB da Noruega.
"A nossa sorte é que já tínhamos um país industrializado e pudemos absorver o privilégio de ter petróleo sem ter corrupção e todos os outros problemas de que muitos países sofrem", diz a secretária de Estado do Petróleo, Monica Stubholt. "Sabemos que não devemos usar mais do que uma parte do dinheiro para não sobreaquecer a economia. E que temos que guardar algum para as próximas gerações."
Um dos principais desafios para a Noruega, diz Monica Stubholt, é conciliar a condição de explorador de petróleo com a preservação do ambiente. Por isso, a Noruega tem investido em energias renováveis, procurando reduzir a emissão de gases com efeitos de estufa em cerca de 15 milhões de toneladas. O preço da gasolina mantém-se elevado, cerca de 1,6 euros o litro, e o Governo que agrega o Partido Trabalhista e outras formações de centro e da esquerda socialista traçou a meta de transformar a Noruega num país "carbono neutro" até 2020, o que significa absorver a mesma quantidade de dióxido de carbono que é emitida.
É por causa do petróleo e das condições de vida na Noruega que Cato Tansoy não hesita em defender que o país devia fazer parte da UE. Já a correr para o comboio em Oslo, explica que faz parte de um grupo que defende a integração na UE. "É que temos muita riqueza e devíamos partilhar com os outros."
O PÚBLICO viajou a convite
da Embaixada da Noruega

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