África do Sul: Portugueses preocupados mas a salvo de ataques xenófobos

Foto
Siphiwe Sibeko/Reuters

A vasta comunidade portuguesa residente na região de Joanesburgo não foi atingida pela vaga de ataques xenófobos que provocaram 24 mortos na última semana, segundo informações recolhidas pela Lusa junto do consulado-geral de Portugal, conselheiros comunitários e comerciantes.

"Não há nenhum português afectado existindo mesmo uma grande vontade de sectores da comunidade em ajudar as vítimas desta violência xenófoba", disse à Lusa o cônsul-geral de Portugal em Joanesburgo, Manuel Gomes Samuel.

Manny dos Passos, conselheiro da comunidade, referiu que "os portugueses estão obviamente chocados com a violência e alguns tentam mesmo ajudar as vítimas, mas de forma alguma foram até ao momento atingidos".

Cerca de 400 mil portugueses residem na África do Sul, metade dos quais na província de Gauteng - o "coração" económico do país -, que engloba Joanesburgo e Pretória.

Vários comerciantes contactados pela Lusa deram conta das suas preocupações, mas garantiram que em nenhum momento as populações locais manifestaram algum tipo de sentimentos "anti-portugueses" ou mesmo "anti-brancos" desde que há oito dias, grupos de homens armados começaram a atacar imigrantes africanos, a destruir e incendiar os seus casebres e a pilhar os seus parcos haveres pessoais.

"Os mais pobres e sem qualificações profissionais viraram-se contra aqueles que ameaçam directamente a sua subsistência e os alvos são claramente os africanos oriundos do Zimbabué, de Moçambique, do Congo, do Malui e de muitos outros países africanos", disse um comerciante português com um negócio paredes-meias com uma das zonas mais seriamente afectadas.

Este português, que pediu para não ser identificado, afirma que "as relações entre as populações locais e os europeus são óptimas, o que revela que a má reputação que a comunidade portuguesa teve durante muitos anos na África do Sul era baseada em mentiras e falsas percepções".

"Nunca os portugueses, como comunidade, foram racistas ou vistos na África do Sul como exploradores ou agentes de discriminação, e hoje aqui nos mantemos, muitas vezes sujeitos a assaltos e entregues a nós próprios, mas sempre bem aceites pelos africanos", garante este português que reside na África do Sul há 36 anos.

No centro de Joanesburgo, onde outrora os portugueses tinham uma presença fortíssima com estabelecimentos comerciais e escritórios de empresas lusas, como a TAP-Portugal, bancos, agências de viagens e restaurantes, existem hoje pouquíssimas lojas ainda geridas por portugueses e nenhuma delas foi atacada ou saqueada nos últimos oito dias de violência xenófoba.

Na zona que foi em tempos designada por "Rossio" - um ponto da baixa de Joanesburgo situado na confluência das ruas Kerk e Troye - por ser o ponto de encontro da comunidade em Joanesburgo, os símbolos e nomes outrora dominantes, como "Belém", "Agência Novo Mundo", "Lusoglobo" e "Nicola", foram hoje substituídos por referências de África desde a região austral até ao Magrebe.

Os comerciantes são hoje etíopes, somalis, nigerianos, alguns (poucos) sul-africanos, todos especializados em vestuário e calçado com origem predominantemente chinesa e indiana.

"O actual tecido social das grandes cidades, profundamente alterado e muitas vezes desfigurado pelos estrangeiros, associado a condições sociais difíceis, é propício ao aparecimento de fenómenos de xenofobia", explica o sociólogo Arthur Brown.

Para este especialista, a liberdade conquistada pelos sul-africanos tem preços que muitas vezes são difíceis de calcular e os desequilíbrios manifestam-se muitas vezes de forma violenta como é o caso da onda de violência xenófoba em curso.

"Quando os governos do ANC apertaram as leis da imigração para estancar o fluxo de europeus, na sua maioria técnicos superiores qualificados, esqueceram-se que nem todos os imigrantes africanos são bem aceites pelos sul-africanos de raça negra porque os números em causa ameaçam a sua sobrevivência num cenário de elevado desemprego", salienta Brown.

Para os portugueses a vida continua inalterável. Habituados a uma criminalidade elevada, aprenderam a tomar precauções que são seguidas à risca mesmo em "tempos normais".

Continuam a ligar os alarmes das suas casas e estabelecimentos, a percorrer com o olhar as ruas onde vivem e trabalham em busca de veículos e indivíduos suspeitos de os atacar à mão armada e a conduzir com as janelas dos carros fechadas e as portas trancadas.

Nos dias que correm os hábitos não se alteraram.

Sugerir correcção
Comentar