Especialista diz que governos portugueses não protegem produtos tradicionais

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Há detergentes mais perigosos do que chouriços ou queijos, diz Soeiro DR

A ausência de excepções às leis comunitárias para os produtos tradicionais é da exclusiva responsabilidade de Portugal, acusou ontem uma especialista no Parlamento. Ana Soeiro, que esteve 30 anos ao serviço do Ministério da Agricultura e que fez o maior levantamento de produtos tradicionais em Portugal, critica os “sucessivos governos” de serem omissos por não terem feito uma simples comunicação a Bruxelas para se poder continuar a usar materiais tradicionais e manter práticas de fabrico de produtos típicos portugueses sem violar a lei comunitária.

Essas derrogações aos regulamentos comunitários permitiriam salvaguardar, por exemplo, o uso de panelas de cobre no fabrico de ovos moles, o fabrico de pão em unidades caseiras, ou a confecção de arroz de cabidela com aves abatidas em pequenas explorações agrícolas.

“Há omissão por parte dos sucessivos governos que não puseram em vigor as derrogações permitidas pelos regulamentos comunitários e que permitem o uso de madeiras, barro, cobre e xisto no fabrico de produtos tradicionais”, disse Ana Soeiro, durante uma audição parlamentar no grupo de trabalho sobre pequenos produtores e produtos tradicionais.

O grupo foi criado pelo PS para fazer um levantamento das necessidades deste sector, na sequência das muitas críticas à actuação da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) sobre os pequenos produtores.

A especialista deu vários exemplos de situações em que só é necessário fazer a comunicação para Bruxelas para que as excepções aos regulamentos comunitários entrem em vigor: isenção dos pequenos produtores às regras escritas para prosseguirem a sua actividade, regulamentação dos pequenos produtores para permitir que os restaurantes possam comercializar aves e coelhos criados e abatidos em explorações agrícolas e legislação sobre o licenciamento industrial para passar a contemplar as explorações familiares e permitir, por exemplo, o fabrico de pão caseiro.

“Estou saturada da desculpa de que Bruxelas é que tem a culpa”, disse Ana Soeiro, acrescentando que “aquilo que a UE exige é francamente pouco e fácil de fazer”.

Para além das deficiências que aponta à lei, Ana Soeiro também não isenta a ASAE de culpas. “Exorbita as suas competências e o aconselhamento está fora das competências de uma polícia criminal”, afirmou, concordando com uma afirmação anterior do deputado do CDS-PP Hélder Amaral no mesmo sentido.

Uma outra crítica tem a ver com uma omissão “gravíssima” no turismo rural, obrigado a oferecer ao cliente produtos regionais, mas que não pode dar uma galinha ou laranjas criadas na própria produção. Ana Soeiro deu um exemplo caricato: “Se um turismo rural em Boticas [Vila Real] quiser oferecer uma galinha, tem que vir a Viseu abatê-la, porque é o matadouro mais próximo”.

Soeiro enunciou ainda a falta de regulamentação sobre empresas de consultoria alimentar que considerou estarem “impreparadas” e de estarem a vender aos agentes económicos detergentes e material de limpeza cuja toxicidade é desconhecida. “Pode ser mais perigosa que qualquer amêndoa, chouriço ou queijo que comamos de um produto tradicional”, disse a especialista.

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