Albert Hofmann: morreu o pai acidental do LSD

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Albert Hofmann Reuters

No seu livro de 1976, "LSD: O meu filho problemático", o químico suíço Albert Hofmann, que em 1943 descobriu fortuitamente os efeitos psicadélicos do LSD e se tornou na primeira cobaia humana de uma trip de ácido, começa assim um dos capítulos: “Já ouvi e li inúmeras vezes que o LSD foi descoberto acidentalmente. Isso não é totalmente verdade. O LSD nasceu de um programa de investigação sistemático e o 'acidente’ só aconteceu muito mais tarde.”

Albert Hofmann, o pai acidental da droga psicadélica mais potente do mundo, morreu ontem de ataque cardíaco na sua casa perto de Basileia, na Suíça, aos 102 anos de idade. O anúncio foi feito no site da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicadélicos, entidade californiana que promove a investigação médica de substâncias como o LSD e a marijuana e que reeditou o livro de Hofmann em 2005. Terá morrido “feliz e satisfeito” por ter visto “a renovação da investigação científica da psicoterapia à base de LSD”.

A imagem projectada por este homem, nascido em Baden em 1906, doutorado em 1929 pela Universidade de Zurique, que vivia numa pacata vila do Jura e trabalhou sempre (até 1971) para a empresa farmacêutica Sandoz, hoje Novartis, não corresponde a alguém que tomou ácido centenas de vezes ao longo da vida, a droga predilecta do movimento hippie nos anos 60. Imagina-se um severo cientista de comportamento tão impecável como a sua imaculada bata de laboratório, mas Hofmann defendeu sempre o LSD enquanto “medicamento da alma” – não só contra doenças do foro psiquiátrico como a esquizofrenia, mas também para combater a superficialidade humana dos tempos modernos. E acusou os apóstolos da era psicadélica – o mais célebre dos quais foi Timothy Leary, professor de psicologia de Harvard e um dos maiores promotores do abuso do LSD pelos estudantes norte-americanos – de terem arruinado o futuro promissor da droga. Devido a esses abusos e às histórias de terror em torno das trips que acabavam mal, deixando sequelas psíquicas ou conduzindo ao suicídio alucinado os seus consumidores “recreativos”, o LSD, comercializado pela Sandoz desde 1947 sob o nome Delysid para exclusivo uso médico, foi ilegalizado em 1966 nos EUA e na Europa e o seu fabrico industrial interrompido.

O dia da bicicleta

O fabrico do LSD não foi de facto acidental. Quando da sua primeira trip Hofmann andava há anos a estudar ingredientes de plantas medicinais, tendo sintetizado este composto cinco anos antes, em 1938. Mas a descoberta dos efeitos espectaculares do ácido ao nível psíquico foi fortuita.

Tudo começou na sexta-feira 16 de Abril de 1943. Hofmann estava a repetir, no seu laboratório da Sandoz, em Basileia, experiências com a “dietilamida de ácido lisérgico-25”, o vigésimo quinto composto que fabricara a partir da chamada ferrugem do centeio. A ferrugem é um fungo tóxico, mas é também a fonte de medicamentos como a ergotamina, que serve para aliviar as enxaquecas, e a ergometrina, usada para provocar o parto e controlar hemorragias.

Nesse dia, Hofmann começou subitamente a ter vertigens (sob o efeito de uma ínfima dose de LSD-25 que pingou na sua mão e que terá inalado ou absorvido através da pele). Como não se conseguia concentrar, decidiu ir para casa, onde passou o resto do dia mergulhado em coloridas alucinações.

Na segunda-feira seguinte, regressou ao laboratório já recuperado e convencido que o estranho estado mental do fim-de-semana se devia ao LSD-25. Para o confirmar tomou, desta vez deliberadamente, um quarto de grama – uma dose pelo menos cinco vezes maior do que é necessário para ter alucinações. Temendo ficar doente, pegou na bicicleta e foi para casa – mas a trip apanhou-o a meio caminho. Para os adeptos do LSD, aquele dia será para sempre recordado como o “dia da bicicleta”.

Hofmann publicou mais tarde um relato da sua experiência contando que, na altura, pensou que tinha enlouquecido. Desta vez, a trip foi má e Hofmann teve alucinações aterrorizadoras. No dia seguinte, os efeitos tinham desaparecido e Hofmann sentia-se “perfeitamente bem”.

Efeitos especiais

Os efeitos do LSD são espectaculares; é literalmente a droga dos efeitos especiais. Em particular, surgem alterações na percepção do tempo e do espaço e as sensações visuais tornam-se extremamente vívidas. A música pode evocar sensações visuais e a luz produzir impressões sonoras. A viagem começa 30 a 60 minutos depois da ingestão e dura cerca de 10 horas. No entanto, podem também acontecer flashbacks alucinatórios durante anos sem que a pessoa tenha novamente consumido ácido.

Para além disso, tal como a segunda trip de Hofmann no dia da bicicleta já o deixava prever, as experiências são muito variáveis e pessoais e podem ir – conforme a personalidade, as expectativas, e o ambiente em que o LSD é consumido – do maravilhoso ao pesadelo. Há quem sinta um tal pânico e manifeste sintomas tão marcadamente psicóticos que precisa de ser hospitalizado.

Entre 1947 e 1966, o LSD foi utilizado para tentar tratar o alcoolismo e o autismo e para aliviar o sofrimento dos doentes com cancro terminal. Foi ainda utilizado para tentar perceber as psicoses “a partir de dentro” e administrado em condições de laboratório a centenas de pessoas. A CIA, por seu lado, viu no LSD uma potencial arma química, mas os testes realizados em pessoas desprevenidas – muitas das quais ficariam traumatizadas com a experiência – não parecem ter sido convincentes.

Geração psicadélica

Entretanto, o LSD começou a ser utilizado para fins puramente recreativos. Entre as pessoas que o experimentaram e que divulgaram as suas experiências encontram-se celebridades como o escritor Aldous Huxley e o actor Cary Grant.

A festa acabou em 1966, quando a imprensa começou a revelar os casos de jovens que se atiravam pela janela, que se tornavam psicóticos, ou que olhavam para o Sol até ficarem cegos (estima-se que, nesse ano, houvesse quatro milhões de utilizadores norte-americanos). Quando o LSD se tornou ilegal, Leary e outros gurus da geração psicadélica foram presos nos EUA, no meio de um violento debate social. O consumo de LSD continua hoje, embora com menor impacto.

Hofmann tinha também uma costela mística, que o levou a estudar a química dos cogumelos e outras plantas sagradas utilizadas nos rituais psicadélicos no México. Argumentava que o LSD o tinha levado a adquirir uma nova visão da realidade e das maravilhas da criação. Aliás, num outro livro, "Insight Outlook", de 1989, salienta o Washington Post, chegou a escrever que o LSD, tomado por “pessoas mentalmente estáveis e em condições adequadas”, poderia ser bom para o mundo ocidental, pejado de “materialismo, desligado da Natureza e desprovido de uma filosofia da vida capaz de dar sentido às coisas”.

Quanto ao facto de o LSD ter alguma coisa a ver com a sua longevidade, Hofmann desmentiu-o, lê-se no mesmo diário, quando das celebrações do seu centenário, em Basileia. Disse a um jornalista que o que o mantinha em forma era o seu hábito de comer um ovo cru por dia – e não, como muitos pensavam, as suas experiências, já longínquas, com o LSD.

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