Tribunal do Iémen dissolve o casamento de menina de oito anos

"Estou tão feliz por ser livre e poder voltar à escola", exultou Nojoud Nasser, que foi espancada e violada pelo homem mais velho com quem o pai a obrigou a casar

a O juiz Mohammed al-Qadhi confessou ter simpatizado com Nojoud Mohammed Nasser, de oito anos, desde o momento em que ela chegou sozinha, de táxi, ao seu gabinete em Sanaa, capital do Iémen, pedindo ajuda para se divorciar de um homem mais velho, que há dois meses e meio a espancava e violava. Na quarta-feira, o tribunal dissolveu este casamento forçado (a anulação é uma medida mais drástica que o divórcio) e ordenou a detenção do marido, Faiz Ali Thamer, de 30 anos. O pai de Nojoud, que a forçou a casar, também foi detido, mas logo saiu em liberdade, por sofrer, alegadamente, de perturbações mentais.
Parece um desfecho feliz, mas a realidade é que o abusador está apenas na cadeia "para averiguações", e não será acusado, porque a lei iemenita não reconhece violação no casamento. Também não será punido pelo sexo consumado antes de Nojoud ter atingido a puberdade (15 anos). Teve ainda direito a uma "indemnização" equivalente a 250 dólares, que corresponde ao dote que pagou à família da "noiva".
No final do processo, e sempre apoiada pela advogada Satha Mohammed Nasser, a pequena Nojoud recuperou o sorriso, coberta por tradicionais trajes negros. "Estou tão feliz por ser livre e poder voltar à escola", disse aos jornalistas. "Nunca mais quero casar-me. É um sentimento bom ter conseguido livrar-me do meu marido e dos seus maus tratos."
Nojoud frequentava a segunda classe do ensino primário quando o pai, um desempregado que antes recolhia lixo das ruas, a convenceu a assinar um contrato de casamento. Prometeu que ela não sairia de casa antes dos 18 anos, mas uma semana depois da assinatura obrigou-a a ir viver com Thamer.
"O meu pai batia-me e dizia que se eu não casasse com este homem, seria violada e nenhum xeque me ajudaria", contou Nojoud ao jornal Yemen Times. "Pedi e implorei à minha mãe, ao meu pai e à minha tia que me ajudassem a divorciar. E eles respondiam: "Não podemos fazer nada. Se quiseres vai tu sozinha a tribunal". E foi o que eu fiz."
"Eu corria de sala em sala para tentar fugir, mas ele [o marido] acabava sempre por me apanhar. Chorei tanto mas ninguém me ouvia. [...] Sempre que eu queria brincar no pátio, ele vinha, batia-me e obrigava-me a ir para o quarto com ele. Era bruto comigo, e se eu pedia misericórdia ainda batia e abusava mais de mim. Eu só queria ter uma vida respeitável. Um dia fugi".
No tribunal, Thamer não se mostrou arrependido: "Sim, fomos íntimos, não fiz nada de errado, porque ela era minha mulher e ninguém me podia impedir, mas se o juiz quer que eu me divorcie, tudo bem."
Nojoud ficará agora sob a guarda de um tio paterno, embora possa vir a ser entregue, segundo a advogada Satha Nasser, a uma organização que ajuda crianças em risco.
Este caso parece ter despertado consciências. Juízes, deputados e associações de mulheres prometem tentar mudar a lei, para impedir os casamentos de menores de 18 anos - metade das mulheres iemenitas (52,1 por cento) estão nesta situação. O país está dividido.

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