Torne-se perito

Novos casos de multirresistência do HIV-1 aos medicamentos estão a diminuir em Portugal

a O número de novos casos de resistência do HIV-1 a vários medicamentos está a diminuir em Portugal. Entre Julho de 2001 e Julho de 2006, a percentagem de novos doentes multirresistentes passou de 5,7 para 2,7, de acordo com um estudo da equipa do virologista Ricardo Camacho, publicado na revista Retrovirology, de acesso livre na Internet. Mutações desenvolvidas pelo vírus da sida podem conduzir ao aparecimento de resistência aos fármacos, o que reduz a sua eficácia e limita as alternativas terapêuticas dos doentes. Até ao trabalho da equipa de Ricardo Camacho, os estudos internacionais olhavam para o número acumulado de casos de doentes resistentes e não para os novos casos que iam surgindo de ano para ano. Tal abordagem permitia ter uma visão da dimensão global do problema, mas não deixava ver a sua tendência.
Ricardo Camacho, do Laboratório de Biologia Molecular do Hospital de Egas Moniz e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa, começou a aperceber-se de que o número de novas ocorrências de insensibilidade aos tratamentos anti-retrovirais estava a decrescer: "Volta e meia, gosto de olhar para os meus dados e notei que, nos últimos anos, apareciam menos doentes com resistência", conta o investigador, citado numa nota de imprensa anteontem divulgada. Será que esta impressão correspondia à realidade?
Para o saber, a sua equipa, com ci-
entistas portugueses e belgas, analisou os dados de 2702 doentes em falência virológica (quando o HIV-1 volta a ser detectável no plasma), acompanhados em 22 hospitais (há cerca de 33 mil infectados com o vírus da sida no país, 17 mil dos quais em tratamento, pois nem sempre se justifica iniciar a terapia). Na sequência de orientações comunitárias, desde Julho de 2001 que, em Portugal, é rotina fazerem-se testes à resistência do vírus quando os tratamentos falham, pelo que o estudo utilizou dados a partir dessa data.
Os resultados confirmaram as impressões do cientista: entre 2001 e 2006, assistiu-se, de ano para ano, a um decréscimo dos novos casos de multirresistência. De 2001 a 2002, entre os 576 doentes resistentes a um fármaco testados, 5,7 por cento (33) resistiam a tantos medicamentos que já não havia um regime terapêutico eficaz para eles. E entre 2005 e 2006, a percentagem dos multirresistentes tinha decrescido para 2,7, pois entre os 490 resistentes testados só 13 não respondiam a vários fármacos. "Em todas as classes de fármacos, observámos uma diminuição da resistência ao longo dos anos. Mas a multirresistência está a descer ainda mais acentuadamente", explica ao PÚBLICO.
Porém, o número total de doentes resistentes aos medicamentos é desconhecido em Portugal, refere Ricardo Camacho. Ter este dado permitiria gerir melhor o uso dos fármacos.
Seja como for, este trabalho, o pri-
meiro a avaliar os novos casos de multirresistência que vão surgindo, permitiu revelar qual é, afinal, a tendência do problema em Portugal. Já depois, dois estudos noutros países europeus observaram uma tendência idêntica. "Por isso, os dados de Portu-
gal podem ser extrapolados pelo menos para a Europa."
Como se explicam os resultados? "Atribuímos esta diminuição aos no-
vos fármacos, que são muito superiores aos que tínhamos há dez anos. Permitem um tratamento mais eficaz, mais longo, com menos efeitos secundários e os doentes têm menos falências virológicas", responde.
Os doentes começaram por tomar 32 comprimidos por dia, ou até mais, e dentro de pouco tempo bastará um comprimido (em Portugal ou nos EUA estão disponíveis 24 fármacos contra o vírus). "Neste momento, um doente que inicie um tratamento começa por dois comprimidos por dia. Este ano, será disponibilizado um único comprimido com três fármacos."
Para Ricardo Camacho, o estudo revela outro aspecto importante: "Os doentes devem ser sempre tratados em centros especializados por médicos com experiência, que aprenderam a usar o fármaco certo no momento certo." Por esta razão, é "violentamente contra" a disponibilização destes medicamentos nas farmácias, como foi discutido. "Se isso ocorrer, vamos ver a redução da resistência aos fármacos inverter-se."

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