Pequeno reino do Butão já é uma democracia

Eleições completaram ontem a transição para
a monarquia constitucional no país de 670 mil habitantes

a Os eleitores do reino do Butão, nos Himalaias, espantaram-se a si próprios, assegurava ontem a Reuters. Nas primeiras legislativas de sempre no país, votaram contra o partido liderado pelo tio do reverenciado rei. A vitória de Jigmi Thinley não foi pequena: conquistou 44 dos 47 assentos da câmara baixa do Parlamento (a alta já tinho sido eleita em Dezembro). O Butão completou assim a última etapa de um processo de democratização, contra a monarquia absoluta, iniciado pelo próprio rei."É verdadeiramente surpreendente", confessou Palden Tsherin, porta-voz do vitorioso Druk Phuensum Tshogpa (DPT, Partido Unificado do Butão). "As pessoas realmente tomaram uma decisão." E a decisão foi dar a Thinley, ex-primeiro-ministro, um homem com provas dadas na experiência governativa ao serviço do rei, as rédeas do país, que tem 670 mil habitantes e o tamanho da Suíça.
Thinley esteve directamente envolvido numa das maiores especificidades do Butão: a Felicidade Interna Bruta, ou seja, a ideia de que o desenvolvimento económico não basta, apesar de um quarto da população viver abaixo do limiar da pobreza, se não vier acompanhado pelo respeito pelas tradições e o ambiente.
O slogan do DPT era "crescimento com igualdade e justiça". Era também isso que prometia Sangay Ngedup, líder do Partido Democrático do Povo (PDP) e tio do jovem rei Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, de 28 anos e formado em Oxford. Nenhum dos partidos lutou pela democracia, mas o pai do monarca, o rei Jigme Singye Wangchuck, considerou há dois anos que estava na altura de abdicar em nome do filho e abrir o país à democracia. "Eles agora deram o Governo ao público", disse à Reuters um eleitor que não quis dar o nome. "A juventude deve ter escolhido."
O rei pediu ontem aos seus súbditos que fossem votar. E eles assim fizeram: 79,4 por cento dos eleitores depositaram o seu voto. Alguns reconheciam à AFP que não sabiam como o fazer, para que servia; outros diziam que estavam na dúvida sobre se seria preciso vestir alguma roupa de cerimónia. E muitos, muitos, esperaram ordeiramente nas filas para participar neste primeiro exercício de democracia - que não pediram e que alguns até vêem com apreensão.
Os habitantes esperam agora que o novo Governo possa ajudar a melhorar a economia do reino. Até Shangrilá tem os seus problemas, escreve a Reutes: desemprego, crime e toxicodependência aumentam, à medida que sobe a migração para as cidades.
Mas a questão mais complicada parece ter ficado de fora de qualquer programa político: as dezenas de milhares de membros da etnia nepalesa que, na década de 1990, foram obrigados a sair do Butão depois de manifestações contra a imposição de uma indumentária nacional e o encerramento das escolas de língua nepalesa. Mais de 100 mil vivem em campos no Nepal, muitos exigem o direito a regressar.
a Tandin Wangmo é uma professora de 28 anos que ontem, às 7h30 da manhã, já estava na fila para votar, com os amigos. E dizia à Reuters: "Estamos muito entusiasmados em ir votar porque isso vai trazer muitas diferenças ao nosso país." O escrutínio foi o passo mais recente do caminho para a modernização de um reino que está totalmente ensanduichado entre dois gigantes: a China e a Índia.
O percurso tem sido lento. Em 1960 ainda não havia estradas, e escolas e hospitais eram praticamente inexistentes. Antes disso, também não existia telefone nem moeda, e a população era encorajada a usar os fatos tradicionais do país. A televisão só entrou no reino em 1999 e ainda hoje há um limite para o número de estrangeiros que ali podem entrar.
Hoje, a educação e a saúde são gratuitas, a maioria das aldeias tem electricidade e água, e a esperança de vida passou de menos de 40 para 66 anos. Mas a melhoria das estradas, a distribuição de luz e o aperfeiçoamento dos sistemas de rega ainda estão no topo das prioridades dos habitantes.
No reino da Felicidade Interna Bruta (o índice que importa às autoridades, e não o Produto Interno Bruto), cerca de 70 por cento da população vive ainda em zonas rurais, onde a agricultura é de subsistência.
O pai do actual monarca, Jigme Singye Wangchuck, considerou há dois anos que era altura de abdicar e abrir o país

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