Mesão Frio em queda à espera de um hotel

A taxa não traz novidade nem surpresa para ninguém: foi o concelho com o rácio de desemprego mais alto em 2007, com 12,2 por cento (mais quatro pontos percentuais do que a média nacional).

Não é com orgulho que Mesão Frio, com cerca de 25 quilómetros quadrados encravados em socalcos entre o Douro e o Marão, e pouco mais de cinco mil habitantes, carrega tal epíteto. Não há orgulho, mas também não há embaraço, porque tal rácio tem, em parte, uma justificação: é o “amor à terra”, e a vontade de “não trocar a paz e sossego por coisa nenhuma” que vai agarrando os munícipes ao concelho onde nasceram – como explicaram alguns deles ao PÚBLICO.

Por exemplo, Pedro Mota, de 23 anos. Admite ir trabalhar para a Régua, ou Lamego, ambos, ali ao lado, e pouco mais, recusando-se a fazer como a grande maioria que ali nasceu: emigrar, ou mudar-se para qualquer sítio que tenha mais oportunidades. E haver mais oportunidades do que em Mesão Frio não é muito difícil. Porque em Mesão Frio não há praticamente nenhumas.

O presidente da câmara, Marco Silva, eleito pelo PSD há cinco mandatos consecutivos, é o primeiro a admiti-lo. “Começamos a entrar numa fase crítica”, avisa, imediatamente antes de desfiar o rosário que levou a tal situação: o concelho, eminentemente agrícola, enfrenta a crise na vinha e no minifúndio – a vinha já não dá dinheiro para pagar a trabalhadores diários, todos os dias do ano; depois, “desde que as mulheres se lembraram que também precisam de trabalhar, o número de desempregados não parou de aumentar”, atira o presidente, evocando o tempo em que as mulheres se limitavam “a ser domésticas”, mas compreendendo “que, agora, um salário em casa não chega para pagar as contas e trazer os filhos na escola”.

Resultado: em Janeiro havia 356 pessoas oficialmente desempregadas no concelho de Mesão Frio, dos quais 254 são mulheres. A maior fatia destes desempregados têm entre os 35 e os 54 anos, e as habilitações dominantes são o primeiro ciclo do ensino básico. Mas há muita juventude, a maior parte deles com o ensino secundário concluído, e até 13 licenciados. Marisa Silva tem 25 anos, o secundário feito, e nunca arranjou trabalho. Está inscrita há mais de seis anos no centro de emprego. “Nunca me chamaram para nada”, disse. Como nunca fez descontos, justifica, também não pôde frequentar alguns cursos de formação. “Já me inscrevi no Lidl e no Intermarché, já fui a muitas reuniões, mas ainda não arranjei nada para fazer. Qualquer coisa servia. Nem que fosse varrer as ruas. Mas na câmara também não me arranjaram nada.” O que faz, desde então? “Vou dois meses por ano para as vindimas e para apanha do morango para França”, do beiral da porta dos pais, onde ainda vive, mesmo depois de casada. “Aqui não há onde procurar emprego.”

Num concelho com pouco mais de 5000 habitantes, não há indústrias, nem há grandes superfícies comerciais. A palavra, de novo, ao presidente da câmara. Porquê? “A orografia não é própria, e a massa crítica não existe. Não faz sentido haver aqui fábricas.” “Sempre tentei evitar as grandes superfícies, para poupar o comércio tradicional do concelho. Começo a pensar de forma diferente: na Régua [o concelho ao lado] já há duas abertas e estão mais quatro licenciadas. Ao fim e ao cabo, os meus munícipes vão lá fazer as compras, e nós perdemos das duas vezes.”

O número de empresas que abriram no concelho desde 2001 é revelador do marasmo que ali se vive. Nos últimos sete anos surgiram 35 empresas, uma média de sete por ano, numa estatística que se faz de empresas unipessoais e de projectos de turismo que para já são pouco mais do que ideias no papel – como as ideias de Mário Ferreira, dono da Douro Azul, que em 2007 abriu a empresa A Caminho das Estrelas, a pensar em vender viagens ao espaço, e que 2004 registou o Douro Marina Hotel – o projecto de interesse nacional (PIN) que prevê um investimento de 33 milhões para a construção de um hotel, com golfe e spa, projectado para as margens do rio há mais de quatro anos.

Todos à espera de um hotel

É precisamente no Douro Marina Hotel que o autarca de Mesão Frio espera vir a solucionar os problemas de desemprego no concelho. “Podemos dizer que estamos quase dependentes deste projecto. Quando este hotel abrir portas, praticamente deixará de haver desempregados em Mesão Frio”, garante o autarca. Está tudo pensado: o hotel vai criar cerca de 200 postos de trabalho directos, o mesmo número de pessoas que Marco Silva espera ver arrancadas das estatísticas de desemprego do município. E, para evitar erros do passado –“Também tínhamos um acordo com o Mário Ferreira, que empregou muita gente de Mesão Frio no Solar da Rede. Mas oito em cada dez acabaram por vir embora, porque não estavam habilitados para as funções”, explica –, o autarca diz que perguntou de que perfis profissionais precisavam primeiro e tenciona organizar cursos de formação adequados depois. “O projecto do hotel deverá ser aprovado em breve, e as obras arrancam ainda no fim deste ano. Entretanto, as pessoas tiram os cursos e, quando os acabarem, têm emprego”, adianta o presidente.

O empenho é tal que, numa das últimas semanas (a 22 de Fevereiro), o autarca abriu as portas do salão nobre do município para receber “quase 300 pessoas, praticamente tudo mulheres”. Foi uma espécie de “assembleia geral de desempregados”, convocados para ouvir o empresário Carlos Saraiva (o novo dono da Pousada Solar da Rede e que também comprou a Mário Ferreira os direitos de construção do Douro Marina Hotel) e os membros de uma empresa de formação que se propõe a ministrar vários cursos de formação na área de hotelaria. “Assim sejam aprovadas as candidaturas de apoio que apresentámos ao QREN. Se não forem aprovadas, não há cursos para ninguém, porque uma câmara com um orçamento anual de quatro milhões de euros não poderá suportar custos dessa grandeza”, explica Marco Silva.

Algumas das munícipes que estiveram presentes na reunião, e com quem o PÚBLICO falou, torcem o nariz: “Cheira-me a eleições. Já andam a falar do hotel há mais de quatro anos. Não me acredito que seja agora”, diz Alcina Cardoso, 37 anos, três filhos, e o marido “empregado nas obras em Espanha”. Alcina é uma “papa-cursos”, como são apelidados no concelho aqueles frequentam que estes cursos para ganhar a vida. Alcina está neste momento a frequentar o curso de formação Bar e Mesa, com duração de 15 meses. Mas este já é o terceiro; para trás ficaram outros dois, entre eles, o de Pintura de Construção Civil.

“Não se arranja mais nada, fazemos estes cursos. Sempre ganhamos algum. Migalhas são pão”, acrescenta Rosa Dias, 38 anos, um filho de cinco e grávida de três meses. Para Rosa, este é o primeiro curso, depois de já não encontrar “uns biscates” para fazer na agricultura, e depois de ter saído do restaurante da Régua onde era ajudante de cozinha. As histórias de Alcina e Rosa podem ser multiplicadas por 39 – o número de mulheres inscritas nos cursos de Cozinha, e Bar e Mesa que estão actualmente a ser ministrados no centro de emprego de Mesão Frio. Histórias diferentes em pormenores, mas que se repetem no essencial.

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