Câmara pode ter que indemnizar antigos donos da zona do Parque Eduardo VII

Família do marquês da Graciosa pôs acção em tribunal contra a Câmara de Lisboa e não afasta a ideia de pedir a reversão dos terrenos expropriados em 1914 que agora têm usos privados

a A gota de água foi o facto de a câmara ter desafectado do domínio público, nos anos 90, cerca de 8800 m2 dos 132 mil que tinham sido expropriados à família Graciosa na zona do Marquês de Pombal, em 1914, para ali serem construídos um complexo de ténis e um parque de estacionamento subterrâneo, ambos privados.Considerando-se lesados e injustiçados pela expropriação - que em nome do interesse público levou à destruição da enorme quinta e do palácio que a família possuía entre a Rua do Salitre, as Amoreiras e o Pavilhão dos Desportos -, os herdeiros dos antigos proprietários entenderam que era chegado o momento de reabrir o processo quando viram a câmara afectar uma parte dos terrenos a fins privados e lucrativos, distintos daqueles para que tinham sido expropriados.
"Vamos tentar repor os nossos direitos dentro de uma posição equilibrada", afirma Domingos Figueiredo, um dos filhos do actual marquês da Graciosa e representante da família. "O que nos move fundamentalmente não é o dinheiro, mas uma questão de brio familiar e de reposição da verdade histórica." Na argumentação acalorada do administrador da Casa da Graciosa avultam pormenores aparentemente secundários, mas que explicam o apelo ao "brio familiar" e à História. "É que nem sequer puseram o nome do marquês da Graciosa ao túnel do Marquês ou a uma das muitas ruas que rasgaram as terras que eram nossas desde o século XVIII", exclama Domingos Figueiredo.
Para conseguirem os seus objectivos, os herdeiros dos donos do Pátio dos Giraldes [nome por que era conhecida a antiga quinta] optaram por não pedir, pelo menos para já, a reversão [para a sua propriedade] dos terrenos expropriados no início do século passado, com base no facto de terem sido destinados a fins diferentes daqueles que justificaram a expropriação. Nos termos da petição inicial do processo entrado em Julho passado nas Varas Cíveis de Lisboa, a estratégia seguida passa por pedir ao tribunal a nulidade de uma escritura de 1933, através da qual a família renunciou aos seus direitos legais enquanto expropriada, desobrigando a Câmara de Lisboa das obrigações correspondentes.
Em causa, nessa escritura, estavam o direito, estabelecido por lei, a receberem uma percentagem da valorização conseguida pelo município com a venda em lotes dos 57.000 m2 da quinta destinados a ser urbanizados (os restantes 75 mil eram para arruamentos e para implantação do Parque Eduardo VII) e o direito de preferência na venda em hasta pública daqueles lotes.
Em contrapartida da renúncia a estes direitos e com o objectivo de dispor livremente dos terrenos, o município pagou então 270 mil escudos à família e devolveu-lhe, pronta a urbanizar, uma área de 19.300 m2 na zona das actuais ruas Rodrigo da Fonseca e Artilharia 1.
É a alienação destes direitos que a família pretende agora ver declarada nula retroactivamente, por a aconsiderar ilegal, pedindo ao tribunal que condene a câmara a restituir-lhe todos os lotes vendidos posteriormente ou, se isso não for possível, o valor que lhes for atribuído.
A conseguir a condenação do município, a família teria naturalmente que lhe restituir também os terrenos e valores que recebeu em 1933 para prescindir dos seus direitos. Questionado sobre se, nesse caso e feitas as contas, a família não se arriscaria ainda a perder dinheiro, Domingos Figueiredo afirma que "não é fácil quantificar" o que está em causa, mas diz que não tem dúvidas de que o saldo será favorável à Casa da Graciosa. "Isto é, sobretudo, uma questão de brio familiar e de justiça", insiste.
a A Câmara de Lisboa contestou a acção em que é pedida a declaração de nulidade da escritura pela qual a família Graciosa renunciou a alguns dos seus direitos alegando apenas que tal escritura não existe. O documento, porém, está arquivado na autarquia e a respectiva certidão já foi junta ao processo.
Nos termos de uma certidão emitida pela Divisão de Notariado do município e entregue ao tribunal em Setembro, juntamente com a constestação da câmara, "não foi encontrado qualquer registo" da celebração de uma escritura com aqueles intervenientes, nem tão-pouco foi celebrada qualquer escritura no dia 9 de Março de 1933, referida na petição inicial do marquês da Graciosa.
Com base nesta certidão, a advogada da câmara limitou-se a pedir que a acção fosse julgada improcedente, sem nada alegar quanto aos factos, pelo que a outra parte - ao juntar a cópia da escritura outorgada naquele dia, emitida pelo mesmo serviço que certificara a sua não existência - entendeu que "se devem considerar admitidos por acordo" todos os factos que não foram contestados pela câmara dada a sua obrigação legal de conhecer a escritura em causa.
Um despacho do juiz parece ter entretanto ultrapassado este risco, uma vez que foi pedido ao marquês da Graciosa que reformule a petição inicial, centrando-a nas questões jurídicas, facto que poderá vir a permitir que a câmara se defenda.
Nos anos 90, a condessa de Vilalva chegou também a pôr em causa a legalidade da venda ao El Corte Inglés de terrenos anexos ao Parque Eduardo VII que foram expropriados à sua família na mesma época, mas o caso acabou por não ser levado a tribunal.

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