Olívia Byington fez da sua vida um espectáculo

Em solo absoluto, uma cantora brasileira mistura em palco vida e música, como se recebesse amigos em casa. Êxito no Brasil, vai ficar oito noites em Lisboa

a O público entra primeiro pelo camarim, onde estão capas de discos, objectos pessoais, velas, flores. Só depois passa à sala e vê o palco onde se encontra a cantora como numa sala da sua casa, com livros pelo chão, pautas, uma mesa com um computador. No Brasil, a solução foi mais radical: o público atravessava o camarim, depois o palco e só por fim chegava à sala.O que é isto, afinal? Um happennig? Uma performance? Uma peça de teatro? Nada disso. É o mais recente espectáculo musical de Olívia Byington, uma cantora brasileira que Portugal já conhece de viva voz desde 1994 e que aqui tem criado raízes ao longo dos anos. Nascida em Dezembro de 1958 no Rio de Janeiro (o apelido herdou-o do bisavô, norte-americano), Olívia começou a cantar aos cinco anos no colégio, tal como cantava em casa canções francesas com as três irmãs, em coro, instigadas pela mãe. Na escola de música aprendeu piano, violino, violão clássico. Com Jaques Morelenbaum, ambos adolescentes, fez um grupo de rock progressivo. Tudo isso antes de uma carreira onde trabalhou com Jobim, Gismonti ou Geraldo Carneiro.
Em 2006, Olívia lançou em Portugal um disco novo, maioritariamente composto de parcerias com o português Tiago Torres da Silva, onde teve a participação vocal de Seu Jorge e Maria Bethânia. E foi no processo de lançamento desse disco no Brasil, em 2007, que se interrogou sobre o tipo de espectáculo que deveria fazer para apresentá-lo. "Fazer um show só de músicas inéditas era muito egoísta", diz a cantora. "Por isso comecei a estudar as canções do meu reportório. Ao fazer isso, deu-me vontade de fazer um show que tivesse um lado teatral meu. Comecei a escrever. E ao costurar as músicas e as histórias, o roteiro começou a ficar não apenas musical mas também um roteiro da minha vida, uma coisa emocionada e profunda, cheio de inventários importantes, até para a descoberta da minha trajectória."
Começou a escrevê-lo em Março de 2007 e estreou-o em Junho, no Teatro Maria Alvim, em Ipanema. Desde então já o repetiu 80 vezes. Sempre só ela, em palco, face a face com o público. À sua voz e ao seu violão junta-se a presença pontual de um computador, que usa numa versão de Feuilles Mortes, de Prévert, à mistura com um poema de Fernando Pessoa, Pobre e Velha Música ("que fala justamente da saudade, da infância, do tempo que passa").
"Show aconchegante"
"A conversa, no começo do show, é muito à vontade e através dela eu vou levando o público a entender a minha carreira." Não só: "Há coisas mais íntimas, histórias, problemas, coisas difíceis, bonitas, alegres, tristes, passagens da vida inteira ligadas à musicalidade que é a minha, de Tom Jobim ao rock progressivo." O título, A Vida É Perto, veio-lhe de uma frase do escritor e humorista Millôr Fernandes: "Quando comecei a juntar estas minhas histórias, lembrei-me do que ele me disse, a respeito de uma amiga nossa muito rica que andava pelo mundo comprando casas, comprando ilhas: "Eu não vejo sentido nisso porque a vida é perto."
Por isso ela apostou neste formato e já houve quem lhe dissesse ou ela tinha reinventado o "pocket show" ou mesmo inventado um novo género de espectáculo. Certo é que, no Brasil, esgotou salas atrás de salas e as reacções foram entusiásticas. "Um show aconchegante que faz muito bem à alma", escreveu Mauro Ferreira. Já o crítico Tarik de Souza disse que ela "tempera abismos com maestria de autora polimorfa e cantora superlativa". E o escritor Luis Fernando Veríssimo comentou ao Globo: "O único problema do espectáculo é que depois de ver e ouvir a Olívia, você custa a voltar para o chão." Em Lisboa, a prova começa hoje.

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