Austrália reconhece erros do passado e pede desculpa a aborígenes no novo Parlamento

Foto
Primeiro-ministro australiano com aborígenes na cerimónia no Parlamento Mick Tsikas/Reuters

Uma cerimónia tradicional aborígene na inauguração do novo Parlamento australiano e um pedido de desculpa por parte do primeiro-ministro Kevin Rudd. Inédito, talvez inesperado, mas há muito aguardado pela população nativa destas terras que durante décadas foi alvo de violações, injustiças e abusos.

Terça-feira dia 12 de Fevereiro vai ficar na história australiana, uma história que a partir de hoje não falará em dois destinos: o dos aborígenes e o dos cidadãos brancos. O primeiro-ministro do país quis pôr um ponto final na separação entre as duas comunidades através de um pedido oficial de desculpa à chamada “Geração Roubada”, evitado e negado pelos seus antecessores.

O líder trabalhista Kevin Rudd só pronunciará o discurso oficial amanhã. No entanto, o texto foi apresentado hoje de manhã no novo Parlamento – construído em terrenos da tribo Ngambri – e prevê-se que seja aprovado, uma vez que o seu partido é maioritário.

Na festa os trajes formais ocidentais confraternizaram com as peles e a "maquilhagem" branca aborígene, com naturalidade, com uma naturalidade que não existiu na inauguração do antigo Parlamento, onde um nativo foi proibido de entrar por estar “impropriamente vestido”.

Mas hoje é diferente. Matilda House-Williams, uma anciã aborígene, sente-se "na mesma venerável instituição, com traje tradicional de cerimónia e pés nus, honrada e bem-vinda".

Mesmo assim, pelos erros do passado, Rudd pede “desculpa pelas sucessivas políticas e leis dos Governos que infligiram um profundo sofrimento e perda nestes nossos companheiros australianos”, refere o texto. Contudo, o documento dá uma particular atenção às crianças retiradas das suas famílias, comunidades e país, “pelo medo, sofrimento e dor destas Gerações Roubadas, pelos seus descendentes e pelas suas famílias deixados para trás, pedimos desculpa”.

De acordo com um relatório elaborado em 1997, estima-se que uma em cada três crianças aborígenes e uma em cada dez crianças com um dos pais nativo tenham sido retiradas às famílias entre 1910 e 1970, para serem educadas por famílias brancas.

Um caso entre 55 mil

Este foi o caso de Mary Hokker, 50 anos, retirada aos 12 da sua família para viver numa instituição específica para estas crianças onde diz ter sido, durante seis anos, “espancada e violada”. Mary recorda com amargura a forma como foi enganada pelas autoridades que a fizeram crer que iria visitar a mãe ao hospital, pelo que entrou no carro onde estavam também os seus onze irmãos. Foram separados e alguns deles nunca mais os viu, pelo que tinha alguma esperança de os reencontrar nas cerimónias.


Contudo, o problema dos nativos não reside apenas nas crianças. Na Austrália vivem cerca de 460 mil aborígenes, apenas dois por cento dos 20 milhões da população total. Além de viverem em média menos 17 anos do que os australianos brancos, os aborígenes têm também taxas mais altas de desemprego, crime, violência doméstica, alcoolismo e toxicodependência.

“Hoje começámos com um pequeno passo, assumimos e identificámos os erros do passado. Através desta cerimónia demos este significativo e simbólico passo. Às vezes podemos ser um pouco lentos. Mas nós chegamos lá”, sublinhou Kevin Rudd.

Sugerir correcção
Comentar