Carnaval do Rio marcado por ligações ao tráfico de droga e ao jogo do bicho

Camarotes da Escola de Samba da Mangueira estavam ligados por um túnel a uma "boca de fumo" do tráfico. "Aviõezinhos" vendem droga à frente de agentes fortemente armados

a O rapaz não pára. Grita, ri. Aborda desconhecidos e ignora o ritmo do samba. Ao lado, dezenas de mulheres semidespidas fazem jus à folia da época. Rufam tambores, insinuam-se liberdades tropicais. Uma algazarra: um sem-número de pequenas bancas, de churrasco, de cerveja fresca. De abraços e de beijos na boca. O rapaz continua a gritar. "Maconha, coca, crack, olha o Carnaval." Há um certo ritmo no marketing. "Olha a promoção, trouxinha na promoção." Ao lado, em redor do Palácio do Samba, vários polícias ostentam metralhadoras. Exibem coletes à prova de bala e formam um cordão ao longo da Rua Ana Néry, que dá acesso ao Morro (Favela) da Mangueira, perto do bairro do Maracanã, zona norte do Rio de Janeiro. No sábado à tarde, mais adolescentes lançavam o mesmo cântico "Coca, maconha, crack." São os "aviõezinhos" do tráfico a desfilarem à frente de agentes de segurança fortemente armados. A multidão dançava, assediava. Impunha-se uma descompassada sintonia. Começou a sair a bateria da Escola da Mangueira, uma das mais famosas e a que reúne a maior fatia do afecto dos cariocas. A escola que este ano está assombrada por ligações com o tráfico de droga. Um dos polícias admite que não pode falar, olha para o lado. "Se tem ligações com o Tuchinha ou não, é mistério. Sei é que é a melhor escola do Rio, do mundo", atira uma dos foliões. O "Tuchinha" é figura no Morro da Mangueira, é o chefe do tráfico. "Só não vê que isto é o território do Tuchinha quem não quiser", dispara uma mulata.
O túnel e o "micro-ondas"
Em Janeiro foi descoberta uma passagem secreta entre um dos camarotes na quadra Estação Primeira da Mangueira e os locais de venda de droga do morro, as "bocas de fumo". O túnel permitia a Francisco Testas Monteiro, o Tuchinha, assistir ao desfile e vender droga num compartimento VIP. E fugir da polícia, quando necessário. Ele é o co-autor da música que a Mangueira levou ontem ao desfile.
No dia em que foi descoberta a passagem secreta, um batalhão de agentes especiais destruiu uma fortaleza que os traficantes ergueram para enfrentar a polícia. Num dos "anexos" foram encontradas várias ossadas, crânios. Era o "micro-ondas", o local onde os traficantes queimam dissidentes, bufos, caloteiros.
Há uma semana, o chefe da Polícia Civil do Rio, Gilberto Ribeiro reconhecia, em entrevista à Rádio CBN, a miríade de teias que se tecem na cidade, fundamentalmente no Carnaval. "É lamentável, mas a gente sabe também que hoje o poder do tráfico é muito grande, então é difícil impedir, de forma clara, a acção dos traficantes nesse evento cultural." Ribeiro estabeleceu depois a ligação entre os vários retalhos da manta. "Por isso, a gente vê o Tuchinha fazendo samba e o ex-presidente envolvido no casamento de um traficante. São ligações ruins, e acho que não contribuem para fortalecer uma imagem positiva da escola de samba, mas é uma realidade."
Em Novembro, o então presidente da Estação Primeira da Mangueira, Percival Pires, foi filmado no casamento "simbólico" de Jacqueline Morais e Luíz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, considerado o maior traficante de armas e drogas do Brasil. Beira-Mar estava e está detido, a mulher, Jacqueline, controlava os negócios do exterior. Acabou detida dias depois. Na festa, Percival Pires ofereceu um diploma. E fez uma homenagem ao casal: "Tanto o Fernandinho como a Jacqueline fizeram muito pela Mangueira." Depois da divulgação do vídeo, Percival foi forçado a demitir-se. Eli Gonçalves da Silva, a Chininha, assumiu a presidência da Estação da Mangueira. Uma semana depois, foi obrigada a depor sobre a passagem secreta. Garantiu que desconhecia o corredor. Dados do Instituto de Segurança Pública revelam que, durante os ensaios de Carnaval, de Setembro a Janeiro, o número de apreensões de droga nas imediações do Morro da Mangueira diminuem 170 por por cento. A Polícia Civil estima que no mesmo período os lucros de Tuchinha tenham aumentado na mesma proporção.
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