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Capítulo 7 do julgamento de Maria das Dores: nova defesa apanha juiz de surpresa

a O julgamento começa, mas os protagonistas mudaram.Maria das Dores Pereira da Cruz, acusada de encomendar a morte do marido, Paulo Pereira da Cruz, tem um advogado novo. No lugar geralmente ocupado por Ana Valentim, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, senta-se agora Carlos Carvalhal, que, alegando não estar ainda familiarizado com o processo, pede o adiamento da audiência.
O juiz, Carlos Alexandre, é apanhado de surpresa. Só soube momentos antes. Compreende os motivos do pedido, diz ele, mas, a despeito das "considerações doutamente aduzidas", não adia. O julgamento já dura há demasiado tempo, e o novo advogado tem suficiente experiência para conseguir acompanhar o processo, explica o juiz. E chama a primeira testemunha do dia.
Ao longo da sessão, Carvalhal vai-
-se levantando para falar com Maria das Dores, sob a complacência do juiz. Precisa de orientações sobre as perguntas a fazer, porque não conhece os factos. Mas conhece o caso e conhece Dores: Carvalhal tem o seu escritório no 4.º andar do número 11 da Avenida de António Augusto Aguiar. Ora o crime ocorreu, a 20 de Janeiro de 2007, no 3.º andar do mesmo edifício. Foi no escritório de Carvalhal que Maria das Dores prestou as primeiras declarações à polícia, e foi este advogado que a acompanhou e aconselhou (como ela já explicou em tribunal) nos primeiros momentos após o crime, de que ela ainda não era acusada.
Dores decidiu prescindir dos serviços da sua advogada oficiosa Ana Valentim depois de ambas se terem desentendido quanto à estratégia de defesa. Na sessão de 9 de Janeiro, a arguida decidiu falar, pela primeira vez. Declarou-se inocente e explicou que apenas mandara seguir o marido por desconfiar que ele tinha amantes. Mas, após várias perguntas do juiz e dos advogados, ficou a impressão de que a sua história pecava por inconsistência. Ana Valentim tinha-a aconselhado a não prestar declarações, mas ela desobedeceu. Agora, há uma nova estratégia. Ninguém sabe qual é, mas o juiz não parece disposto a deixar que o julgamento se arraste por muito mais tempo.
As testemunhas da família da vítima desfilam com mais celeridade, depondo agora a respeito do pedido cível que decorre em simultâneo. A família de Paulo Pereira da Cruz pede uma indemnização de 700 mil euros, 680 mil dos quais deverão reverter em favor do filho menor de Paulo e Maria das Dores, Luís (nome fictício), que está entregue à guarda dos avós paternos.
A criança "ainda não teve espaço psicológico para fazer o luto do pai", explica ao tribunal a psicóloga que o acompanha. Foi ela que lhe contou que a mãe foi presa sob acusação de ter mandado matar o pai. Luís, que, segundo a psicóloga, é superiormente inteligente e vê as revistas e ouve os comentários dos colegas de escola sobre o assunto, tornou-se muito calado e isolado. Recusa-se a falar sobre o assunto, explica ela e confirmam-no as testemunhas seguintes - os vizinhos, os irmãos da vítima, uma empregada. Todos dizem que Luís ficou perturbado com a morte do pai e a acusação que impende sobre a mãe, mas que melhorou, desde que está com os avós. Estes, todos o afirmaram, arcam agora com todas as despesas, que, segundo as cálculos do próprio juiz, depois de ouvidos os relatos, ascendem a mais de 1700 euros por mês, incluindo a mensalidade do colégio, roupas e brinquedos.
Sobre o património do falecido, as testemunhas são unânimes em referir que inclui duas casas, no valor aproximado de 500 mil e 200 mil euros, e dois carros que custaram mais de 150 mil euros.
José Guilherme Burnay, um dos sócios da empresa Campotec, de que Paulo Cruz era administrador executivo, explica que o seguro "de acidentes" feito pela empresa é de cerca de um milhão e 200 mil euros e se destinava a garantir que, em caso de morte ou invalidez por acidente de algum dos administradores, a família pudesse honrar os compromissos que ele eventualmente tivesse com a empresa. A ideia de fazer este seguro surgiu depois de Paulo Cruz ter tido, em Abril de 2000, o grave acidente de automóvel em consequência do qual Maria das Dores perderia o braço esquerdo. Sete anos depois, segundo a acusação, Dores, para receber esse mesmo seguro, terá contratado o seu motorista, o brasileiro João Paulo Silva, para lhe matar o marido.
A testemunha (supostamente abonatória) trazida a tribunal pela defesa de João Paulo Silva, o cabeleireiro Duarte Menezes, vem dizer que o motorista, que conhece há 12 anos, sempre foi "correctíssimo" com ele. Mas acaba por contar que, na última vez que viu o brasileiro, ele trazia uma arma de fogo no bolso das calças.

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