Torne-se perito

Adolfo Nicolás O novo papa negro dará problemas ao Papa branco?

Quando foi escolhido para responsável dos jesuítas no Japão, o padre Adolfo Nicolás foi viver num bairro pobre. Nas Filipinas fez o mesmo. É espanhol, estava há 40 anos na Ásia e os seus colegas escolheram-no agora para geral dos jesuítas. Algumas das suas ideias podem criar problemas no Vaticano. Por António Marujo

a O padre jesuíta espanhol Juan Masiá Clavel, a viver há 35 anos no Japão, previa duas coisas: que o seu colega Adolfo Nicolás, 71 anos, seria eleito como novo geral dos jesuítas e que renunciaria à escolha. "Tinha fundamentos sólidos para ambos os vaticínios, mas não acertei no segundo", diz, num depoimento enviado ao P2, a propósito da escolha do novo "papa negro", designação pela qual é conhecido o responsável máximo dos jesuítas. Após quase duas semanas de reunião da 35ª congregação geral da Companhia de Jesus (que continua em Roma), os 217 eleitores elegeram no dia 19 um espanhol vindo do Oriente para seu novo geral: Adolfo Nicolás Pachón nasceu em Villamuriel del Cerrato (próximo de Palência), a 29 de Abril de 1936, entrou na companhia com 17 anos e foi para o Japão aos 28 de idade (em 1964). Estudou três anos em Roma, foi provincial (responsável máximo) dos jesuítas japoneses entre 1993 e 1999 e era actualmente coordenador dos provinciais da Ásia Oriental e Oceania, vivendo em Manila (Filipinas). O número dos votos asiáticos (64 em 217) foi importante, mas não o único factor a pesar.
Os primeiros retratos traçam dele a imagem de um homem longe de algumas teses dominantes no Vaticano, nomeadamente no que respeita ao diálogo inter-religioso. Talvez por isso, vários cardeais terão vetado o seu nome, proposto há anos pelos jesuítas, para reitor da Universidade Gregoriana, em Roma, conta o padre Masiá.
Numa mensagem enviada à congregação geral, antes da eleição de Nicolás, Bento XVI chamava a atenção para o voto de fidelidade ao Papa, previsto na regra da Companhia de Jesus. Poderia ser útil, escrevia, que os jesuítas reunidos reafirmassem a "adesão à doutrina católica, em particular sobre pontos nevrálgicos". Para não haver dúvidas, exemplificou: "A relação entre Cristo e as religiões, alguns aspectos da teologia da libertação e vários pontos da moral sexual, sobretudo no que se refere à indissolubilidade do matrimónio e à pastoral das pessoas homossexuais." Campos nos quais a acção dos jesuítas se faz notar.
O próprio Adolfo Nicolás fez questão, sexta-feira, de dizer, em conferência de imprensa, que "não há distância teológica" entre ele e o Papa - os dois encontraram-se já no sábado. "Estudei os livros do professor Ratzinger. Era um grande professor e os seus livros muito interessantes. Traziam muita novidade e uma inspiração que todos agradecíamos naquele tempo."
Mas, sobre a sua missão de jesuíta na Ásia, afirmou: "O mundo não era como eu pensava em Espanha. A Ásia mudou-me, mudou-me de modo a entender os outros, aceitando o que é diferente. Em Espanha, era um pouco intolerante, a religião era entendida como fidelidade a uma série de práticas religiosas. No Japão, vi que a verdadeira religiosidade é mais profunda."
Na primeira homilia que fez depois de eleito, domingo, dia 20, Nicolás apontou para fora, para longe: "Estamos aqui todas as nações geográficas, mas talvez existam outras nações, outras comunidades não geográficas, mas humanas, que reclamam a nossa assistência: os pobres, os marginalizados, os excluídos. (...) A sociedade só tem lugar para os grandes, não para os pequenos. Todos os menosprezados, os manipulados, todos esses são talvez, para nós, as nações que têm necessidade da mensagem de Deus."
Quando foi provincial do Japão, Nicolás foi viver para um bairro pobre, deslocando-se diariamente de comboio para o trabalho. Fazia o mesmo em Manila.
Para muitos jesuítas que o conhecem, ele é o homem certo para liderar a Companhia de Jesus neste momento. Juan Masiá resume assim: "Aberto, mas equilibrado; profético, mas obediente; audaz, mas com discernimento." No sítio da Internet dos jesuítas espanhóis, duas linhas abrem a biografia do novo geral: "Alegre, de grande abertura, simples, inteligente, ecuménico e apaixonado pelo diálogo com as diferentes culturas."
O jesuíta português José Carlos Belchior, que já foi provincial de Portugal, conhece também pessoalmente o novo "papa negro" - o nome vem da cor das vestes e do facto do geral jesuíta ser eleito para toda a vida, tal como o Papa: "É um bom teólogo, tem muita experiência de governo e do Oriente, é uma pessoa afável, com quem dá gosto falar."
O padre José Alves Martins, que vive em Timor, confirma ao P2 as opiniões sobre o carácter pessoal de Nicolás e acrescenta que ele é "capaz de perceber os problemas envolventes como o caso de Timor-Leste". O novo geral actuará "no sentido de grande abertura às outras religiões: é um homem da Ásia, creio que terá o equilíbrio suficiente de se manter fiel à Igreja e aberto às outras religiões".
Versado em semiótica e filosofia, áreas em que se especializou (Paul Ricoeur, estudo dos símbolos, Bíblia), outros apontam que Nicolás é bom conversador e bem-humorado. Masiá conta: "Herdou o humor da sua mãe e, entre amigos, as suas anedotas e a sua imitação de Chaplin fizeram-nos rir com frequência."
Ordem mais importante
O geral cessante, o holandês Peter-Hans Kolvenbach, que esteve no cargo desde 1983, decidiu resignar, apesar da regra mandar que fique no cargo até morrer. Advogava a necessidade de injectar ideias novas na companhia. Pode Adolfo Nicolás, com quase 72 anos cumprir esse desejo? No El País, José Maria Martins Patino mostrava-se convencido que sim, que Nicolás trará "ventos inovadores" aquela que é, talvez, a mais importante ordem religiosa católica.
Os jesuítas continuam a ser os responsáveis por 207 universidades e instituições de ensino superior. Desenvolvem a sua acção em campos como a promoção da justiça (Serviço Jesuíta aos Refugiados, rede de apoio a doentes de sida em África), a educação (mais de 700 escolas de diferentes níveis e 2800 centros de redes educativas, principalmente na América Latina) ou a comunicação social (66 rádios, 27 centros de televisão e produção, 199 revistas, 30 editoras).
Tudo isto é feito a partir do trabalho dos 19.560 jesuítas que existem no mundo - pouco mais de metade dos 35 mil que integravam a companhia há quatro décadas, quebra que também justificou a decisão de Kolvenbach. Há jesuítas a trabalhar em diversas áreas científicas, há vários entre os mais importantes teólogos do mundo (e, dos dez chamados à ordem pelo Vaticano nos últimos anos, seis são membros da companhia), há jesuítas artistas como Marko Ivan Rupnik (autor do painel da nova igreja de Fátima), muitos deles orientam cursos e retiros.
Para soprar os novos ventos, os jesuítas escolheram um novo Pedro Arrupe, como alguns membros da companhia comentaram: antes de Kolvenbach, Arrupe, também espanhol, foi o geral que, entre 1965 e 1983, levou a companhia por caminhos arriscados na relação com o Vaticano, em temas como a inculturação do cristianismo, a promoção da justiça e o diálogo com a cultura contemporânea. Uma das suas iniciativas foi a criação do Serviço Jesuíta aos Refugiados, quando, perante o drama dos boat people vietnamitas, sentiu que a Igreja tinha que ajudar os que fugiam do governo comunista que sucedeu à guerra naquele país (ver texto ao lado).
Nicolás ironizou, sexta-feira passada, sobre o facto de o apontarem como herdeiro de Arrupe e Kolvenbach. Mas ninguém disse que tem também dez por cento de Elvis Presley: "Poderia dizer-se isso e não seria uma surpresa", afirmou, entre risos, citado no sítio dos Jesuítas na Internet.
Tal como Pedro Arrupe, Nicolás poderá surpreender no campo social. Juan Masiá diz que o seu colega tem insistido em temas como a opção pelos mais pobres, a protecção do meio ambiente, a relação profunda entre a fé e a promoção da justiça.
O novo geral pode também colocar os jesuítas a debater formas criativas de viver hoje a vida religiosa. Num dos livros que publicou, dedicado precisamente a esse tema, ele diz que a vida religiosa deve ser "uma provocação aos valores que acreditamos serem mais fundamentais". E num outro artigo publicado em Dezembro, escreve que os jesuítas deveriam ser criativos em relação a este tema. "Como provocamos tanta admiração e tão pouco seguimento?", perguntava.

Adolfo Nicolás
O novo "papa negro" dará problemas ao Papa branco?

Quando foi escolhido para responsável dos jesuítas no Japão, o padre Adolfo Nicolás decidiu ir viver num bairro pobre. Nas Filipinas fez o mesmo. Os que o conhecem dizem que é um excelente conversador e grande imitador de Chaplin. É espanhol, estava há quatro décadas no Japão e os seus colegas escolheram-no agora para geral dos jesuítas. Algumas das suas ideias podem criar problemas no Vaticano...

António Marujo

O padre jesuíta espanhol Juan Masiá Clavel, a viver há 35 anos no Japão, previa duas coisas: que o seu colega Adolfo Nicolás, 71 anos, seria eleito como novo geral dos jesuítas e que renunciaria à escolha. "Tinha fundamentos sólidos para ambos os vaticínios, mas não acertei no segundo", diz, num depoimento enviado ao PÚBLICO, a propósito da escolha do novo "papa negro", designação pela qual é conhecido o responsável máximo dos jesuítas. Após quase duas semanas de reunião da 35ª congregação geral da Companhia de Jesus (que continua em Roma), os 217 eleitores elegeram no dia 19 um espanhol vindo do Oriente para seu novo geral: Adolfo Nicolás Pachón nasceu em Villamuriel del Cerrato (próximo de Palência), a 29 de Abril de 1936, entrou na Companhia com 17 anos e foi para o Japão aos 28 de idade (em 1964). Estudou três anos em Roma, foi provincial (responsável máximo) dos jesuítas japoneses entre 1993 e 1999 e era actualmente coordenador dos provinciais da Ásia Oriental e Oceania, vivendo em Manila (Filipinas). O número dos votos asiáticos (64 em 217) foi importante, mas não o único factor a pesar.
Os primeiros retratos traçam dele a imagem de um homem longe de algumas teses dominantes no Vaticano, nomeadamente no que respeita ao diálogo inter-religioso. Talvez por isso, vários cardeais terão vetado o seu nome, proposto há anos pelos jesuítas, para reitor da Universidade Gregoriana, em Roma, conta o padre Masiá.
Numa mensagem enviada à congregação geral, antes da eleição de Nicolás, Bento XVI chamava a atenção para o voto de fidelidade ao Papa, previsto na regra da Companhia de Jesus. Poderia ser útil, escrevia, que os jesuítas reunidos reafirmassem a "adesão à doutrina católica, em particular sobre pontos nevrálgicos". Para não haver dúvidas, exemplificou: "A relação entre Cristo e as religiões, alguns aspectos da teologia da libertação e vários pontos da moral sexual, sobretudo no que se refere à indissolubilidade do matrimónio e à pastoral das pessoas homossexuais." Campos nos quais a acção dos jesuítas se faz notar.
O próprio Adolfo Nicolás fez questão, sexta-feira, de dizer, em conferência de imprensa, que "não há distância teológica" entre ele e o Papa - os dois encontraram-se já no sábado. "Estudei os livros do professor Ratzinger. Era um grande professor e os seus livros muito interessantes, que ofereciam uma grande novidade e uma inspiração que todos agradecíamos naquele tempo."
Mas, sobre a sua missão de jesuíta na Ásia, afirmou: "O mundo não era como eu pensava em Espanha. A Ásia mudou-me, para entender os outros, aceitando o que é diferente. Na Espanha eu era um pouco intolerante, a religião era entendida como fidelidade a uma série de práticas religiosas. No Japão, vi que a verdadeira religiosidade é mais profunda."
Na primeira homilia que fez depois de eleito, domingo, dia 20, Nicolás apontou para fora, para longe: "Estamos aqui todas as nações geográficas, mas talvez existam outras nações, outras comunidades não geográficas, mas humanas, que reclamam a nossa assistência: os pobres, os marginalizados, os excluídos. (...) A sociedade só tem lugar para os grandes, não para os pequenos. Todos os menosprezados, os manipulados, todos esses são talvez para nós essas nações que têm necessidade da mensagem de Deus."
Quando foi provincial do Japão, Nicolás foi viver para um bairro pobre, deslocando-se diariamente de comboio para o trabalho. Fazia o mesmo em Manila.
Para muitos jesuítas que o conhecem, ele é o homem certo para liderar a Companhia de Jesus neste momento. Juan Masiá resume assim: "Aberto, mas equilibrado; profético, mas obediente; audaz, mas com discernimento." No sítio da internet dos jesuítas espanhóis, duas linhas abrem a biografia do novo geral: "Alegre, de grande abertura, simples, inteligente, ecuménico e apaixonado pelo diálogo com as diferentes culturas".
O jesuíta português José Carlos Belchior, que já foi provincial (responsável máximo da Companhia de Jesus em Portugal) conhece também pessoalmente o novo "papa negro" - a designação vem da cor das vestes e do facto do geral jesuíta ser eleito para toda a vida, tal como o Papa: "É um bom teólogo, tem muita experiência de governo e do Oriente, é uma pessoa afável, com quem dá gosto falar."
O padre José Alves Martins, que vive em Timor, confirma ao PÚBLICO as opiniões sobre o carácter pessoal de Nicolás e acrescenta que ele é "capaz de perceber os problemas envolventes como o caso de Timor-Leste". O novo geral actuará "no sentido de grande abertura às outras religiões: é um homem da Ásia, creio que terá o equilíbrio suficiente de se manter fiel à Igreja e aberto às outras religiões."
Versado em semiótica e filosofia, áreas em que se especializou (Paul Ricoeur, estudo dos símbolos, Bíblia), outros apontam que Nicolás é bom conversador e bem-humorado. Masiá conta: "Herdou o humor da sua mãe e, entre amigos, as suas anedotas e a sua imitação de Chaplin fizeram-nos rir com frequência."
O geral cessante, o holandês Peter-Hans Kolvenbach, que esteve no cargo desde 1983, decidiu resignar, apesar da regra mandar que fique no cargo até morrer. Advogava a necessidade de injectar ideias novas na Companhia. Pode Adolfo Nicolás, com quase 72 anos cumprir esse desejo? No "El País", José Maria Martins Patino mostrava-se convencido que sim, que Nicolás trará "ventos inovadores" aquela que é, talvez, a mais importante ordem religiosa católica.
Os jesuítas continuam a ser os responsáveis por 207 universidades e instituições de ensino superior. Desenvolvem a sua acção em campos como a promoção da justiça (Serviço Jesuíta aos Refugiados, rede de apoio a doentes de sida em África) a educação (mais de 700 escolas de diferentes níveis e 2800 centros de redes educativas, principalmente na América Latina) ou a comunicação social (66 rádios, 27 centros de televisão e produção, 199 revistas, 30 editoras).
Tudo isto é feito a partir do trabalho dos 19.560 jesuítas que existem no mundo - pouco mais de metade dos 35 mil que integravam a Companhia há quatro décadas, quebra que também justificou a decisão de Kolvenbach. Há jesuítas a trabalhar em diversas áreas científicas, há vários entre os mais importantes teólogos do mundo (e, dos dez chamados à ordem pelo Vaticano nos últimos anos, seis são membros da Companhia), há jesuítas artistas como Marko Ivan Rupnik (autor do painel da nova igreja de Fátima), muitos deles orientam cursos e retiros.
Para soprar os novos ventos, os jesuítas escolheram um novo Arrupe, como alguns membros da Companhia comentaram: antes de Kolvenbach, Pedro Arrupe, também espanhol, foi o geral que, entre 1965 e 83, levou a Companhia por caminhos arriscados na relação com o Vaticano, em temas como a inculturação do cristianismo, a promoção da justiça e o diálogo com a cultura contemporânea. Uma das suas iniciativas foi a criação do Serviço Jesuíta aos Refugiados, quando, perante o drama dos "boat people" vietnamitas, sentiu que a Igreja tinha que ajudar os que fugiam do governo comunista que sucedeu à guerra naquele país (ver texto ao lado).
Nicolás ironizou, sexta-feira passada, sobre o facto de o apontarem como herdeiro de Arrupe e Kolvenbach:. Mas ninguém disse que tem também dez por cento de Elvis Presley. "poderia dizer-se isso e não seria uma surpresa", afirmou, entre risos, citado no sítio dos Jesuítas na internet.
Tal como Pedro Arrupe, Nicolás poderá surpreender no campo social. Juan Masiá diz que o seu colega tem insistido em temas como a opção pelos mais pobres, a protecção do meio ambiente, a relação profunda entre a fé e a promoção da justiça.
O novo geral pode também colocar os jesuítas a debater formas criativas de viver hoje a vida religiosa. Num dos livros que publicou, dedicado precisamente a esse tema, ele diz que a vida religiosa deve ser "uma provocação aos valores que acreditamos ser mais fundamentais". E num outro artigo publicado em Dezembro, deveria ser criativa em relação a este tema. "Como provocamos tanta admiração e tão pouco seguimento?", perguntava.

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