Operações suspeitas do BCP acompanhadas desde 2001

Mesmo com nova liderança, BCP continua a ser penalizado em bolsa
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Mesmo com nova liderança, BCP continua a ser penalizado em bolsa Paulo Ricca (arquivo)
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O Banco de Portugal (BdP) acompanhou operações de compra de acções próprias realizadas pelo Banco Comercial Português (BCP) durante os últimos aumentos de capital mediante o recurso a sociedades sediadas em praças financeiras "off-shore" e conhecia os créditos concedidos a membros dos órgãos sociais do banco privado.

Estas operações são referidas em cartas trocadas entre o BdP e o BCP entre 2001 e 2004, a que o PÚBLICO teve acesso, que culminaram com o banco central a ordenar à administração liderada por Jardim Gonçalves que corrigisse as situações que na altura foram consideradas irregulares. A documentação dirigida pelo BdP à administração do BCP está toda assinada pelo então vice-governador, António Marta, que tinha o pelouro da supervisão, funções que desempenhou até Abril de 2006.

Questionado pelo PÚBLICO sobre o conhecimento que a instituição teve, de facto, sobre as operações que estão a ser investigadas, o BdP comentou que "a matéria referida nas questões será, naturalmente, tratada na audição parlamentar de amanhã [hoje]". O banco central reiterou ainda que "como anteriormente referido, foi um conjunto de novos factos - relacionados com 17 entidades off-shore cuja actividade e natureza foram sempre ocultados pelo BCP ao BdP, nomeadamente em anteriores inspecções - que justificam a actuação do banco sobre este assunto e, em particular, a abertura de um processo de contra-ordenação ao BCP e a membros dos seus órgãos sociais".

O PÚBLICO apurou que o governador do BdP deverá centrar a sua explicação hoje na Assembleia da República em off-shores detidas por três clientes que o BCP ocultou à supervisão. Estas entidades sediadas em paraísos fiscais eram controladas por holdings que, por sua vez, eram detidas pelo construtor Bernardino Gomes (já falecido), por Frederico Moreira Rato (presidente da Reditus) e por Ilídio Monteiro (que tinha empresas falidas). Os três clientes possuíam uma relação especial com o BCP, histórica ou familiar. O supervisor admite que possam ter servido de testas-de-ferro da instituição privada durante um período vasto, adquirindo acções do BCP, com crédito concedido pelo próprio banco.

Vítor Constâncio já afirmou que a anterior administração, liderada por Filipe Pinhal, "enganou" o supervisor ao não divulgar às autoridades os dados relativos a estes veículos. O BCP alega que não tinha que informar o BdP, pois trata-se de sociedades cujos proprietários estão devidamente identificados e não pertenciam aos órgãos do banco. Este é um ponto de divergência que o BdP quer esclarecer. O supervisor pretende ainda saber quem assumiu os prejuízos resultantes da desvalorização do título: o BCP ou o titular da conta "off-shore".

As cartas

Mas este é um assunto que vem de trás. As primeiras inspecções ao BCP, no quadro dos últimos aumentos de capital - que estão na origem das operações que agora estão a ser investigadas - começaram no final de 2001, intensificaram-se a partir daí e deram origem a uma troca de correspondência com o BCP que se prolongou pelos anos seguintes.

Nesse período, o BdP conhecia várias sociedades off-shore por onde tinham sido adquiridas acções dos aumentos de capital e que não tinham titularidade identificada. António Marta foi dando instruções ao BCP sob a forma de regularizar as operações. Apesar de ter detectado várias irregularidades, Marta nunca avançou com punições aos seus gestores nem entendeu dever aplicar coimas. Foi o que fez numa carta de 5 de Janeiro de 2004 enviada à administração executiva (CAE) do banco, liderada por Jardim Gonçalves.

Três dias depois, a administração do BCP reuniu-se para deliberar no seguimento dessas indicações: informar o Conselho Fiscal e os auditores externos (KMG) dos factos apurados pelo BdP e planear a regularização das operações através de off-shores. A deliberação da administração diz mais: que se proceda, com carácter de urgência, a um levantamento de todos os financiamentos de acções próprias recebidas em garantia.

Jardim Gonçalves pede que se faça não só uma listagem da exposição do banco aos membros do conselho superior (créditos concedidos a estes), onde estão os grandes accionistas/clientes (na altura não existia ainda o conselho geral e de supervisão), mas também que se identifiquem os veículos sediados em centros off-shore, utilizados pelo BCP para comprar acções próprias, com crédito concedido pela instituição. O CAE do BCP decidiu ainda prosseguir as diligências junto dos clientes para reforço das garantias dos empréstimos e para passar a enviar informação periódica ao BdP, conforme foi solicitado pela entidade de supervisão.

Provisão de 200 milhões

Mais tarde, em carta datada de 17 de Maio de 2004, Marta reitera que todas as deliberações da administração, envolvendo o programa de regularização do banco, devem prevalecer, em 2004 e 2005, sobre as políticas e práticas em vigor no banco.

Na sequência desta indicação, em 2005, o BCP aprovou a constituição de uma provisão de 200 milhões de euros para riscos gerais de crédito, normalizando a situação patrimonial, embora à custa dos accionistas.

No mesmo ano, no seu relatório trimestral, o auditor externo, a KPMG, alertou para o facto de o BCP ter assumido o passivo de grandes clientes e evidenciou que a instituição abateu ao seu capital um prejuízo de 54 milhões de euros, resultante da desvalorização em bolsa das acções próprias da instituição, detidas por clientes com contas sedeadas em off-shores.

A KPMG chamou a atenção para o facto de estes clientes terem adquirido acções do próprio grupo com crédito concedido pelo BCP e que serviram de garantia real ao financiamento. E admite que os títulos perderam valor e que os empréstimos deixaram de estar sustentados. Nos aumentos de capital de 2000 e de 2001 o BCP colocou as acções indiscriminadamente junto dos seus clientes regulares, a crédito (dado pelo grupo), ao preço de 5,5 euros. Em 2003, o valor caiu para 1,3 euros.

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