Grifos na Web: Pusemos uma câmara no ninho e eles já acasalaram

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O grifo é uma das três espécies de abutres que nidificam em Portugal Pedro Cunha

Um ninho, uma câmara, 24 horas por dia. Uma espécie de Big Brother para observadores de aves. Começou ontem, no site do jornal PÚBLICO, a iniciativa Grifos na Web, um projecto que tem como missão seguir um casal de grifos numa escarpa do rio Tejo para dar a conhecer a biologia destas aves e ajudar na sua protecção.

O grifo é uma das três espécies de abutres que nidificam em Portugal. Com uma envergadura de 2,5 metros, vive normalmente em colónias e é considerada uma espécie quase ameaçada. Num censo efectuado em Portugal em 1999, foram contabilizados 272 casais de grifos. Nesta colónia, onde foi colocada a câmara, nidificaram no ano passado 32 casais, tendo a larga maioria produzido crias. "A câmara foi colocada neste ninho em particular por questões técnicas relacionadas com as telecomunicações e também porque é um ninho que tem sido ocupado nos últimos sete, oito anos", explica Carlos Pacheco, o biólogo que tem vindo a fazer o acompanhamento de todo este projecto. Foi o próprio Pacheco quem, em 8 de Outubro passado, desceu ao ninho e colocou a câmara no local onde ela actualmente se encontra. Neste ângulo, a câmara consegue ver dois ninhos da colónia, num dos quais a fêmea já pôs o ovo e se encontra actualmente a incubá-lo.

Colocar a câmara numa escarpa sobre o rio Tejo não foi fácil. À Refer Telecom, parceira neste projecto, coube a parte de leão: uma empreitada para enterrar fibra óptica durante algumas dezenas de metros, construir caixas de ligação e transportar energia e comunicações pela escarpa acima. Foram três semanas de trabalho árduo, mas "valeu a pena", segundo João Sampaio Rodrigues, administrador da Refer Telecom. "Nas nossas obras temos sempre uma preocupação ambiental e para nós é muito importante poder colaborar com este projecto educativo. Agora vamos esperar que o projecto possa chegar até às escolas."

A Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) é responsável pela difusão pública do sinal de vídeo, que agora está visível na página em www.publico.pt/grifosnaweb. A instituição, responsável pela rede de Internet que serve as universidades portuguesas, faz também gravação do sinal que recebe da Refer Telecom. É essa gravação que permitirá, durante os próximos meses, escolher e disponibilizar os clips de vídeo com diversos momentos interessantes. "A FCCN está interessada em dinamizar a utilização de tecnologias de banda larga", explica Pedro Veiga, presidente da instituição. "Este conteúdo pareceu-nos particularmente importante porque alia a observação da Natureza e a investigação científica. Para além disso, é um projecto educativo dirigido às escolas."

Educação ambiental

Inserido no programa PÚBLICO na Escola, o projecto Grifos na Web tem como principal objectivo sensibilizar os mais jovens para a conservação da Natureza. Nos próximos meses, serão realizadas algumas acções junto de escolas básicas e secundárias, de forma a cativar os alunos para actividades de protecção das espécies e, muito especialmente, dos abutres. "Há muitas pessoas que nem sabem que existem abutres em Portugal", diz Carlos Pacheco. "Um projecto como este pode ser fundamental para estimular as pessoas a saber mais e a interessar-se pela conservação da Natureza."

No site deste projecto existem, para além dos clips de vídeo de momentos anteriores do ninho, diversas ligações para textos sobre a biologia dos abutres e a sua conservação, elaborados pela Quercus e pela Sociedade Portuguesa para o Estudos das Aves. Apesar do seu papel sanitário na eliminação de cadáveres de animais, os grifos ainda são considerados por muitas pessoas como animais nocivos e são algumas vezes vítimas de envenenamento. É por este motivo que diversas associações de conservação da Natureza têm promovido a criação de alimentadores de abutres, locais onde vísceras e animais mortos são depositados para serem consumidos por estas aves. Nos últimos anos, estas acções de sensibilização e conservação têm ajudado os grifos que, no Livro Vermelhos dos Vertebrados de Portugal, deixaram o estatuto de "raro" e passaram a ser considerados como uma espécie "quase ameaçada".

Pôr ovos

Durante o projecto, o PÚBLICO seguirá em permanência os dois ninhos visíveis pela câmara, dando especial atenção ao que está mais próximo. Até meados do mês de Fevereiro, todos os casais da colónia deverão já ter posto ovos e será então possível perceber se a câmara consegue filmar mais algum dos ninhos ocupados para além dos dois inicialmente previstos. A SIC juntou-se também a este projecto e fará a sua divulgação na televisão, apresentando em primeira mão os diversos clipes de vídeo que forem recolhidos durante as filmagens.

O principal ninho que está a ser seguido neste projecto parece ter sido já ocupado por um casal de grifos. Na segunda-feira, dia 7 de Janeiro, foram observadas a primeiras cópulas entre o casal que, entretanto, apenas tem aparecido fugazmente. "Se tudo correr como o esperado, o único ovo deve ser posto esta semana ou na próxima", explica Carlos Pacheco. "Depois teremos de esperar cerca de 54 dias para ver o nascimento da cria."

Os meses que se avizinham terão actividade variável e poderão ter "grande interesse", mesmo para os biólogos habituados a trabalhar com a espécie: "Há muitos pormenores pouco conhecidos. A frequência das trocas na incubação do ovo ou de alimentação das crias são algumas dos aspectos que poderão ajudar-nos a conhecer melhor a biologia dos grifos", diz Carlos Pacheco.

Relações extra-conjugais

"Nestes primeiros dias, já foi possível observar algumas coisas - como uma cópula extra-casal - que muito poucos biólogos do mundo poderão ter registado", explica Pacheco. No ninho principal tem também aparecido, por diversas vezes, isolado, um raro abutre de Ruppell, uma espécie do norte de África, cuja nidificação só foi confirmada uma vez na Europa. "Este é mais um caso muito interessante, que terá de ser seguido atentamente nos próximos meses."

Durante todo o tempo que a cria permanecer no ninho (120 dias em média para esta espécie), os pais deverão alimentá-la com alguma frequência, para além de se preocuparem com outros pormenores, como a quantidade de água que bebe ou a necessidade de não estar exposta ao sol durante demasiado tempo. Serão certamente muitas as horas que os pais passarão de asas abertas em frente ao ninho, protegendo a frágil cria do abrasador sol da Beira-Baixa.

No final de Maio, haverá ainda oportunidade de ver a anilhagem da cria ao vivo. Dois biólogos descerão até ao ninho, recolherão material biológico da cria e colocar-lhe-ão uma anilha e marcas nas asas para que mais tarde possa ser identificada à distância. Só através do material biológico recolhido nessa visita ao ninho será possível desvendar um dos maiores mistérios deste projecto: qual é o sexo da cria?

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