Depois do silêncio, uma inaceitável intervenção

A forma como
o Banco de Portugal geriu a intervenção no caso BCP depois de anos de silêncio condicionou as opções dos accionistas e configura um atropelo ao Estado de direito

Tivesse o próximo líder do BCP sido escolhido livremente pelos accionistas e o assunto a eles diria respeito. O problema é que, ao contrário do que pretende o Governo, todas as evidências apontam para uma grosseira interferência do Estado, sobretudo do Banco de Portugal.Os factos. Filipe Pinhal anunciou a sua candidatura à presidência do BCP no dia 6 de Dezembro. Antes e depois disso, o nome de Carlos Santos Ferreira foi apresentado em alguns jornais como uma das hipóteses para o cargo. No entanto, nunca esta alternativa angariou apoios além do accionista que sempre insistiu no nome: Joe Berardo.
Foi com o processo neste ponto que os principais accionistas do BCP entraram, no final da tarde do dia 21, para uma reunião com Vítor Constâncio que o Banco de Portugal pretendia manter secreta. Mas quando de lá saíram, Pinhal tinha caído e já havia um aparente consenso à volta de Santos Ferreira, que também esteve presente na sala em representação da Caixa. Como é que, em apenas duas horas, foi criada uma vaga de fundo à volta de um nome que durante meses mereceu a indiferença dos principais accionistas é o mistério deste processo.
Depois de anos, o banco central decidiu intervir. Mas não esperou pelo fim das investigações, como o formalismo mandaria e a falta de urgência do passado fariam adivinhar. Nem o fez com antecedência suficiente para que os accionistas pudessem tomar as suas decisões. Fê-lo apenas a quatro dias úteis do fim do prazo para apresentação de listas à assembleia geral do BCP.
É bom de ver que quatro dias úteis, em plena quadra natalícia, não chegam para montar uma equipa para gerir o maior banco privado do país. Uma vez em cima da mesa o nome de Santos Ferreira - que é um óptimo profissional, mas não é o único -, dificilmente haveria tempo para encontrar uma alternativa credível. O prolongamento do prazo, decidido ontem à noite pelo presidente da mesa da AG, tenta afastar este condicionamento.

Mas este não foi o único problema da reunião promovida pelo governador.A intervenção de Constâncio foi absolutamente informal, à margem da lei, sem valor legal. Sem que haja qualquer conclusão das investigações, os accionistas foram aconselhados a retirarem o apoio a Filipe Pinhal e Christopher de Beck, assim condenados a priori, e a encontrarem outro nome - por coincidência o eleito estava logo ali na sala. O banco central usou o seu peso intimidatório de entidade supervisora e produziu efeitos condenatórios sem apresentar conclusões jurídicas que possam ser contestadas e escrutinadas em tribunal. Isto é inaceitável. Por mais que se ache que aqueles dois responsáveis já não tinham credibilidade nem condições para continuar, e de facto não tinham, esta forma ad hoc de resolver as coisas não cabe num Estado de direito.
E ao estender essa "inibição" informal a todos os administradores do BCP desde 1999 - mais de duas dezenas de quadros -, o governador estreitou drasticamente as opções que os accionistas teriam para formar uma lista em tão pouco tempo. Mais uma vez, tudo estava a favor de uma solução Santos Ferreira sem alternativa.

Neste dossier nada faz sentido. No Banco de Portugal, mas também na actuação do Governo. Qualquer accionista consciente ficaria preocupado se o presidente e dois administradores de uma empresa saíssem directamente para dirigir a principal concorrente. Sem passarem por um período de nojo, Santos Ferreira e os dois elementos que o acompanham levam naturalmente da CGD para o BCP os segredos, os planos, a estratégia, os negócios, a forma de cativar os clientes mais importantes.O apoio dado pelo Governo a esta transferência mostra a escala de valores com que estamos a lidar: é importante ter gestores amigos no BCP, nem que para isso seja preciso sacrificar o valor do banco do Estado. Isto não é um comportamento normal de um accionista.
Este é um caso em que a mão invisível do mercado teve pouca ou nenhuma importância. Já a mão manipuladora do Estado foi muito visível, condicionando fortemente as decisões que deviam ter sido tomadas pelos accionistas.

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