Muammar Kadhafi concentra as atenções por onde passa graças à sua tenda

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O líder líbio já esteve ontem na tenda em São Julião da Barra Daniel Rocha/PÚBLICO

É inevitável que as atenções se centrem nele: viajando com uma tenda e a sua equipa de mulheres-seguranças, o líder líbio, Muammar Kadhafi, causa sempre algum frisson, especialmente quando viaja para países europeus, dando aliás dores de cabeça aos responsáveis da logística e segurança.

Desta vez em S. Julião da Barra, Oeiras, Kadhafi quer projectar uma imagem de frugalidade, mas acaba por ser a Líbia que traz das delegações mais numerosas à cimeira UE-África, falando-se de quase duzentas pessoas. No complexo de tendas estarão ainda animais para alimentação.

O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz já visitou Kadhafi na sua tenda na Líbia. Falou relutantemente dessa ocasião ao PÚBLICO. "O importante não é o local onde as pessoas se reúnem, mas sim aquilo de que falam e o que acordam", diz, por telefone, a propósito da cimeira UE-África.

Mas feita esta ressalva, Martins da Cruz aceita falar da sua visita oficial à Líbia, na Primavera de 2003, na "segunda capital" do país, Benghazi, perto da fronteira com o Egipto, e descreve como é a tão falada tenda - "aí a uns 40 minutos da cidade, no deserto, e que é, na verdade, um complexo de tendas que me pareceram ligadas".

A tenda em que Martins da Cruz foi recebido pelo líder líbio "era grande - aí do tamanho de um pavilhão polidesportivo de uma cidade de província". Dentro, "o chão coberto de tapetes, e vários jogos de sofás e cadeiras". A grande tenda branca era, no entanto, como que dividida em "vários salões", e o staff presente era pouco - o intérprete, um anotador, dois ou três seguranças, vestidos à ocidental, à porta. "Ao chegar não reparei, mas ao sair vi um grande parque vedado com um recinto onde estavam dezenas de camelos", conta o então ministro.

No fundo, Martins da Cruz saiu da tenda "com uma impressão muito positiva do coronel Kadhafi, muito amigável, por vezes jovial, e com um conhecimento muito profundo da situação política e económica de Portugal e da influência portuguesa no mundo, nomeadamente em África".

Gente do deserto

A tenda, continuou, "faz parte de uma estratégia de marketing político". Não só porque onde se desloca "toda a imprensa fala disso", mas sobretudo porque "o coronel Kadhafi quer projectar uma imagem de frugalidade, de quem não se desprendeu dos costumes berberes do seu povo, que são gente do deserto", nota Martins da Cruz.

O jornalista José Sousa Dias, da agência Lusa, que também visitou o "complexo de tendas" do coronel Kadhafi, fala ainda dos camiões que ladeiam as tendas, alguns com chuveiros e casas de banho. Os contrastes, conta José Sousa Dias, são grandes no complexo: "beduínos, berberes e soldados lado a lado com Mercedes e BMW topo de gama, com antenas e fortemente armados".

O alojamento de Kadhafi costuma ser o centro das atenções por onde quer que passe - em Bruxelas, em 2004, fez correr rios de tinta, e a imprensa francesa já especula onde vai ficar a tenda em Paris na visita do líder líbio prevista para dia 10 - e ainda pelo que traz consigo, como o corpo feminino de segurança.

Hóteis esgotados

Não há quartos disponíveis, este fim-de-semana, em nenhum hotel de cinco estrelas de Lisboa - e há 22 hotéis da capital revistados e policiados em permanência. Muitos de quatro e três estrelas estão lotados com o staff das delegações. Sabe-se que a angolana ficará no Ritz, com 80 quartos, assim como a marroquina, segundo o Expresso. África do Sul traz 30 pessoas e tem três dezenas de quartos reservados no Hotel da Lapa. Envolta em completo secretismo está a delegação do Zimbabwe - ninguém arrisca dizer onde estará alojado o Presidente, Robert Mugabe.

Líder líbio fala do ensino e das mulheres em Lisboa

Tal como se esperava, Muammar Kadhafi chegou a Lisboa com a capa berbere castanha, os óculos formato Ray-Ban e a guarda feminina fardada à militar e com botas à texana.

À sua espera tinha uma fila organizada de líbios que saudaram "o líder", a pedido da embaixada de Trípoli em Lisboa. Kadhafi respondeu às saudações erguendo o punho e sorrindo. Entrou no carro, com cortinas amarelas nas janelas, e deixou-se ficar de porta aberta, por momentos, continuando a ouvir os gritos de "viva a revolução popular!".

Ontem, Kadhafi jantou com o primeiro-ministro e presidente em exercício da União Europeia (UE), José Sócrates, que lhe transmitiu a vontade de Portugal em intensificar as relações económicas com a Líbia e em participar no processo de modernização daquele país do Magrebe.

Hoje, será o único orador de um seminário organizado pelo Centro de História da Universidade de Lisboa.

Sob o tema "Problemas da sociedade contemporânea", Kadhafi centrará a sua intervenção na educação, incluindo a eventual introdução do ensino do português nas escolas líbias, e no papel das mulheres na sociedade, tema que o levará, à tarde, a receber um grupo de representantes de associações de mulheres, portuguesas e africanas, no Forte de S. Julião da Barra, onde ficará alojado durante a cimeira UE-África.

Paralelamente, a delegação líbia, com cerca de 200 pessoas, muitas afectas ao corpo de segurança, irá encontrar-se com mais de duas dezenas de empresas portuguesas, entre as quais a Galp, a Cimpor e a Visabeira, com o objectivo de "analisar o estado actual das relações económicas bilaterais e estabelecer linhas de actuação para o futuro", segundo a AICEP, agência de promoção das exportações e investimento, citada pela Lusa.

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