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História Genealógica da Casa Real Portuguesa

Obra de referência entre a bibliografia e a historiografia, A História Genealógica
da Casa Real Portuguesa, de D. António Caetano de Sousa, é uma obra monumental em que se reconstituem as ligações de parentesco articuladas pelos monarcas portugueses, desde a fundação do Reino até à 1ª metade do séc. XVIII. A obra será agora publicada em 14 volumes, acrescidos de outro, inédito, composto por especialistas da Academia Portuguesa de História, que aborda a composição
e a sucessão da Casa Real Portuguesa desde meados de Setecentos até à queda
da Monarquia. Todas as quintas-feiras, com o PÚBLICO por mais 12,50 euros

a O volume de abertura da colecção da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, que será distribuído amanhã com o PÚBLICO, abarca um período cronológico de cerca de três séculos, coincidente com a fundação do Condado Portucalense e do reino de Portugal e com o ulterior desenvolvimento da dinastia de Borgonha.Ao longo de vinte e sete capítulos, D. António Caetano de Sousa leva-nos ao conhecimento, relativamente detalhado, de outros tantos membros da família real portuguesa. Os mais famosos são, sem dúvida alguma, o conde D. Henrique de Borgonha e os seus nove descendentes, em linha recta e varonil, que assumiram a dignidade régia, entre os anos de 1139 e 1383. As restantes personagens merecedoras de análises individualizadas correspondem a filhas e a filhos dos referidos monarcas, embora estejam longe de corporizar um grupo completo de descendentes.
Numa obra consagrada a matéria genealógica seria estranho que o autor omitisse tais dados. Na verdade, essa é uma lacuna que não se lhe pode apontar. O critério definido foi o de apresentar a generalidade da prole concebida por cada monarca no final do artigo que lhe é, especificamente, dedicado. Numa época em que as crianças e os adolescentes de estirpe real não estavam imunes às maleitas e aos acidentes que determinavam uma elevada taxa de mortalidade, os óbitos precoces eram frequentes. Por isso, compreende-se que D. António Caetano de Sousa, o autor da obra, tenha optado por dar mais extensas notícias a respeito dos infantes, de ambos os sexos, cujas vidas foram longas o suficiente e que, de forma paralela, reuniram outras duas características - a legitimidade de nascimento e a notoriedade social efectivamente alcançada, dentro do Reino ou além-fronteiras.
Neste universo encontramos somente quatro varões. Dois deles eram rebentos de D. Sancho I: os infantes D. Pedro e D. Fernando que, por via matrimonial, se tornaram titulares, respectivamente, dos condados de Urgel e da Flandres. Quanto aos demais, um era filho de D. Afonso II - o infante D. Fernando - e o outro procedia de D. Afonso III - o infante D. Afonso. Em ambos os casos foi em Portugal que acharam a sua área de intervenção pública, o primeiro na condição de senhor de Serpa e o segundo como senhor de Portalegre.
O papel das infantas
A comprovar a importância da função política que também era reservada às damas nascidas no seio de qualquer Casa Real está a dúzia de infantas que, entre os reinados de D. Afonso Henriques e de D. Fernando, foram dadas em casamento a soberanos e a príncipes estrangeiros, na grande maioria ibéricos, servindo os propósitos nacionais de estabelecimento e de consolidação de alianças.
A única apresentação que escapa, por completo, à lógica descrita é bastante significativa. Trata-se da infanta D. Sancha, filha de D. Sancho I, que vestiu o hábito da Ordem de Cister, de maneira voluntária e fervorosa, acabando por ser envolta num halo de beatitude que veio a ser, oficialmente, reconhecido pela Igreja. A mesma sorte foi reservada à sua irmã D. Teresa, esta só recolhida à vida monástica após ter visto anulado o vínculo conjugal que a unira ao rei Afonso IX de Leão. Acrescentando a estes exemplos o de D. Isabel de Aragão, tornada rainha de Portugal pelo enlace com D. Dinis e santa pelo culto popular, percebe-se o relevante contributo da religiosidade feminina para o crescimento da reputação da dinastia.
O prestígio da Casa Real Portuguesa tinha, no entanto, origens mais remotas, como fica bem demonstrado neste livro. Repousava, por um lado, na ligação consanguínea do conde D. Henrique à dinastia francesa dos Capetos, sendo ele neto do duque Roberto da Borgonha e bisneto do rei Roberto II. Radicava, por outro lado, na progenitura da condessa D. Teresa, na qual se enfileiravam diversos nomes sonantes das monarquias peninsulares e do processo da Reconquista. A realeza reivindicada por D. Afonso Henriques tinha, portanto, um amplo fundamento, associando a honra das linhagens régias de que descendia ao valor político-militar encarnado por ele próprio.
Os sucessores do Conquistador herdaram, junto com o trono, um sentido análogo de responsabilidade. Daí que a narrativa de D. António Caetano de Sousa vá desfiando, a par da evolução genealógica, a história da construção territorial do Reino e da sua organização, em vários domínios. Houve também tempos de forte conturbação interna, cuja evocação é feita no livro, como aqueles que marcaram a oposição do conde de Bolonha, futuro D. Afonso III, ao irmão D. Sancho II; do príncipe D. Afonso ao pai D. Dinis; e do mesmo D. Afonso, já enquanto rei, aos amores do filho D. Pedro e de D. Inês de Castro.
Uma derradeira relação de arroubo sentimental e de tumulto político marcou a dinastia de Borgonha, a de D. Fernando e D. Leonor Teles. A única semente que vingou desta união foi a infanta D. Beatriz, rainha de D. João I de Castela. Estava criado um cenário de perigo para a independência portuguesa, seja pela ausência de um herdeiro varão seja pelas pretensões do rei castelhano ao trono português, apenas superado no ano de 1385 com a emergência da nova dinastia de Avis.

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