Juca, o "cabecinha de ouro" era um gentleman do futebol

Ex-glória do Sporting e mais jovem treinador a conquistar um campeonato nacional morreu quinta-feira, com 78 anos. O funeral realiza-se hoje no Alto São João

a Nascido a 13 de Janeiro de 1929, em Lourenço Marques, actual Maputo, o desporto atraiu cedo as atenções de Juca. Entre o basquetebol e o futebol, foi esta última modalidade a conquistar o coração do jovem moçambicano. As exibições no Sporting de Lourenço Marques chamaram as atenções da casa mãe em Lisboa, onde chegou no princípio do Outono de 1949. Cinco títulos de campeão nacional e uma Taça de Portugal depois, encerra uma carreira de 178 jogos, sempre ao serviço dos "leões". Como treinador em Alvalade, conseguiu o melhor e o pior. Foi campeão no ano de estreia (1961-62), em que rendeu Otto Glória; terceiro na temporada seguinte, atrás dos eternos rivais; quinto na sua segunda passagem pelo clube, na época de 1975-76, igualando a pior classificação de sempre dos lisboetas. Treinou ainda o V. Guimarães, Académica, Barreirense, Belenenses e Sporting de Braga.
Depois de passagens pela selecção nacional como treinador (na altura uma espécie de adjunto do seleccionador), em 1977 substitui José Maria Pedroto no cargo de seleccionador, acabando por não conseguir a qualificação para o Mundial de 1978. Regressou ao comando de Portugal em 1980 (mas volta a falhar o apuramento para o Mundial de 1982, em Espanha) e em 1987. P.C.
a Júlio Cernadas Pereira não foi um futebolista nem um treinador comum. De estilo elegante a dirigir a bola e a vestir, trato de gentleman, distinguia-se facilmente do restante plantel do Sporting, quando aportou no clube lisboeta em Setembro de 1949, proveniente de Moçambique. Pouco tempo depois já era um ídolo das massas, marcou o primeiro golo no desaparecido Estádio de Alvalade e ao serviço deste emblema tornou-se no mais precoce técnico a conquistar um título nacional, em 1962. Juca, futebolista e cavalheiro, morreu na quinta-feira, com 78 anos.
São Paulo, Brasil, 1962 (quatro dias depois de o Benfica se ter sagrado bicampeão europeu). A selecção portuguesa prepara-se para defrontar o Brasil numa partida particular. Os jornalistas brasileiros irrompem pelo hotel onde se encontram os jogadores e equipa técnica e pedem para falar com o treinador da equipa nacional. Os futebolistas apontam-lhes Juca (que era o técnico da equipa, sendo Armando Ferreira o seleccionador). Na sua frente, um homem elegantíssimo falava com uma mulher condizente. Incrédulos perante o casal (marido e mulher, souberam mais tarde), dirigem-se de novo aos jogadores: "Aquele senhor é que é o treinador? Parece mais um galã de cinema!"
Uma história contada, entre risos e alguma tristeza, por Hilário, outra ex-glória do futebol português, para ilustrar o porquê de todos quantos conviveram com Juca recaírem irremediavelmente no termo "elegante" para o definir.
"Era um gentleman e um autêntico galã", reforça Mário Wilson. De todos, aquele que de mais perto e mais intimamente com ele conviveu. Juntos cresceram em Lourenço Marques, viajaram de barco para Lisboa - "durante longos 31 dias" -, partilharam casa e quarto na Praça do Chile. A amizade que nasceu numa feroz, "mas saudável", rivalidade nas lides das escolas e da bola: "O Juca era da escola técnica e do Sporting de Lourenço Marques; eu era do liceu e do Grupo Desportivo de Lourenço Marques, uma filial do Benfica."
Sem olhar a preferências clubísticas, os "leões" da metrópole chamam os dois para a capital. Mário Wilson para render um desgastado violino, de nome Peyroteo; Juca, rotulado de craque, era uma aposta menos premente e esperaria um pouco mais para entrar na orquestra leonina. "Sempre foi um estilista a jogar e tinha uma grande capacidade técnica", lembrou o "velho capitão". "Um jogador excepcional, tão forte no jogo aéreo que lhe chamavam "cabecinha de ouro"", reforçou Hilário, que chegou ao Sporting um ano antes da retirada precoce de Juca, em 1958, com apenas 29 anos.
Uma lesão no joelho retirou longevidade à carreira de Juca, na mesma medida em que lhe possibilitou uma precoce carreira de treinador. Quatro anos depois da despedida dos relvados, estreava-se no banco do Sporting, iniciando um novo percurso profissional como terminara o anterior: campeão. Com 33 anos, tornava-se no mais jovem técnico de sempre a vencer o título português. A época deixou marcas a Fernando Mendes, ex-jogador sportinguista: "Recordo-me de um jogo fabuloso que fizemos, no campo do Beira-Mar: ficámos reduzidos a nove jogadores praticamente toda a segunda parte, mas, devido à empatia que os jogadores tinham com o treinador, acabámos por fazer uma partida fabulosa e ganhámos por 2-1."

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