Tribunal do Cambodja acusa pela primeira vez um colaborador de Pol Pot

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Duch dirigiu uma prisão onde terão sido torturadas 14 mil pessoas Sun Seng Police/Reuters

Um antigo responsável por um centro de tortura dos Khmer Vermelhos foi hoje formalmente acusado de crimes contra a humanidade por um tribunal especial do Camboja. Kang Kek Ieu torna-se, assim, o primeiro colaborador de Pol Pot a ser responsabilizado pela morte de mais de um milhão de pessoas durante o sangrento regime que governou o país na década de 1970.

Kek Ieu, mais conhecido como Duch, foi ouvido durante toda a manhã por juízes do tribunal, que após o interrogatório anunciaram a acusação e ordenaram que o antigo torcionário fique a aguardar julgamento em prisão preventiva.

Durante o regime dos Khmer Vermelhos (1975-79), Duch dirigiu a prisão de Tuol Sleng (com o nome de código S-21), um antigo liceu de Phnom Penh transformado em centro de tortura, onde se estima que 14 mil pessoas, incluindo mulheres e crianças, foram torturadas antes de serem executadas. Os detidos, acusados de serem inimigos da revolução lançada por Pol Pot, eram sujeitos às piores atrocidades e forçados a confessar os mais variados crimes – na maioria das vezes de serem agentes da CIA ou do KGB – antes de serem levados para campos nas imediações onde seriam executados a tiro. Apenas sete pessoas terão sobrevivido aos horrores da prisão, hoje transformada em museu.

Detido desde 1999, Duch confessou vários dos crimes que lhe são atribuídos e os procuradores do tribunal especial, criado em parceria com a ONU, esperam poder usar os seus testemunhos nos processos em curso contra outros quatro dirigentes do antigo regime, todos eles ainda em liberdade.

Os nomes dos antigos responsáveis sob investigação desde meados deste mês não foram divulgados, mas acredita-se que entre eles esteja Nuon Chea, braço direito de Pol Pot, apelidado de "irmão número dois". Chea abandonou em 1998 as fileiras dos Khmer, então já pouco mais do que uma pequena guerrilha a viver no refúgio da selva, tendo sido amnistiado pelo primeiro-ministro cambojano Hun Sen.

Da lista deverá constar também Khieu Samphan, o líder oficial do regime, também ele amnistiado pelo Governo e que, à semelhança de Chea, nega qualquer envolvimento nas atrocidades.

Os dois vivem actualmente em Pailin, o antigo bastião dos Khmer na selva e o Governo teme que a sua eventual detenção reacenda a guerra civil no país. O mesmo receio existe em relação a Ieng Sary, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e cunhado de Pol Pot, o primeiro dos antigos dirigentes a entregar-se, vivendo actualmente numa luxuosa mansão na capital.

No entanto, a decisão final cabe a dois juízes – um cambojano e um estrangeiro – nomeados pelo tribunal especial para instruir os processos, os primeiros desde que a instância entrou em funções, em Julho passado, após longos anos de hesitações.

Segundo as estimativas oficiais, 1,7 milhões de pessoas – cerca de um quinto da população do país à data – morreram durante os quatro anos do regime de terror liderado por Pol Pot, vítimas de execuções sumárias mas também da fome e das doenças resultantes dos deslocamentos em massa das populações das cidades para os campos.

O líder, com uma visão muito própria dos ideais marxistas, afirmava que as cidades tinham sido contaminadas pelo capitalismo e por ideias ocidentais e após a tomada de Phnom Penh ordenou a evacuação da capital e das restantes cidades, obrigando as populações a trabalhar no campo. Intelectuais, religiosos ou comerciantes foram os principais alvos de execuções.

Pol Pot morreu em 1998, de causas naturais no seu refúgio na selva, sem nunca ter sido julgado por uma das piores campanhas genocidas do último século.

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