Pequena entrevista a Henrique Viana (PÚBLICO, Verão de 1994)

Qual é a melhor recordação de Verão da sua infância?

Quando eu era puto, não havia dinheiro para a família ir para fora de Lisboa, mas os Verões da minha infância eram giros, todos iguais, no bairro de Santa Catarina, onde nasci e fui criado, a reinar com os outros miúdos. Lisboa era uma cidade pacata, com pouco movimento, e passava-se bem o tempo.

Toma Prozac? Se não toma, toma o quê?

Pro... quê? Nem desconfio o que isso é. Vou-me entretendo a tomar ar, também tomo um uisquinho de vez em quando e, já agora, ando a ver se tomo juízo.

O que é para si o final de tarde perfeito de um dia muito quente?

Uma varanda, perto da praia, um ice-tea fresquinho, a minha mulher, o meu filho, os meus gatos e nada mais.

O que é para si um totalmente detestável dia de férias?

Um detestável dia de férias é a gente ir a caminho da praia, muito bem-dispostinho, e dar de caras com o Vasco Graça Moura.

Há uma geração rasca em Portugal? E, se existe, como se comporta essa geração quando o calor aperta?

Não há nenhuma geração rasca em Portugal. Quem disse tal coisa proferiu uma bojarda sem nome. O que há é uma geração diferente da minha, como a minha foi diferente da que a antecedeu.

Do Minho ao Algarve, escolha a praia que privatizaria só para si, para a sua família e para os seus amigos.

Privatizar uma praia é coisa que não se deve fazer. Uma praia é um fruto da natureza que deve ser usado e gozado por toda a gente. Privatizar uma praia? Não, já basta o que basta.

Quais são os jornais que não dispensa na praia ou no campo?

"A Bola", o "Expresso" e o PÚBLICO (não é graxa).

Conhece o Alentejo profundo? E o Pulo do Lobo? E então?

Conheço o Alentejo e não sei muito bem o que se quer dizer com essa do "profundo". Conheço o Alentejo, gosto da região e dos alentejanos e pronto. O Pulo do Lobo não conheço, mas conheço alguém que já lá esteve e... não ficou.

O que é que o irrita profundamente?

Os xicos-espertos do volante.

Descreva-nos o seu dia ideal de férias. Praia ou campo? Ou cidade?

Um dia ideal de férias é um dia tranquilo, com a família, sem chatices, sem vento, com temperatura amena e um peixinho fresco grelhado. Perto da praia, se possível.

O que é que o incomoda mais: as melgas de Verão ou as melgas do ano inteiro?

Sem dúvida as melgas do ano inteiro. Aquelas que tomam figura de gente, estão a topar?

O seu local de férias tem muito “jet-set”?

Nem jet-cinco, quanto mais!

Há vinte anos vivia-se o primeiro Verão pós-25 de Abril. Lembra-se como e onde o passou? E com quem? E quais eram as suas preocupações?

Nesse Verão, andava eu "em princípio" com a minha actual mulher. Foi, também, a inauguração do Teatro Adóque. Passei essa fase entre umas idas à praia com a Graça e os trabalhos para a inauguração do teatro. Tinha, na altura, vários tipos de preocupações. Como é que eu vou governar a vida de maneira a sustentar uma família? Será que o Teatro Adóque vai resultar? E a revolução vingará? A família que constituí aguenta-se, o Adóque foi um êxito e a revolução deu no que se vê.

Morreu o actor Henrique Viana

Foto
Henrique Viana DR

O actor Henrique Viana morreu hoje no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, aos 71 anos de idade, vítima de cancro.

O actor pisou o palco pela primeira vez na Sociedade Guilherme Cossoul, de que era o sócio número 8, e o seu último trabalho foi no filme "O Julgamento", de Leonel Vieira, que se estreará em Novembro.

Henrique dos Santos Viana nasceu em Lisboa a 29 de Junho de 1936, frequentou a Escola Industrial Fonseca Benevides e começou nas lides teatrais na Guilherme Cossoul.

"Nem pensava sequer seguir a carreira de actor", como confidenciou à Lusa em Dezembro de 2005, por ocasião dos 120 anos daquela sociedade recreativa.

"Se sou actor, devo-o à Guilherme Cossoul, pois foi aí que comecei a minha carreira e a ela devo a minha formação como homem", disse então Henrique Viana, realçando "a camaradagem e o espírito de solidariedade" característicos da instituição.

Estreia em 1956

"Amanhã há Récita", de Varela Silva, foi a peça em que se estreou, juntamente com Luís Alberto, corria o ano de 1956. Ainda como amador na Guilherme Cossoul integrou o elenco de "O Dia Seguinte", de Luís Francisco Rebello, e "Catão", de Almeida Garrett, até que "a grande senhora do teatro, Amélia Rey Colaço" o convidou para fazer um teste no Nacional D. Maria II.

O resultado positivo desse teste levou-o a não concluir o Conservatório Nacional, onde se inscrevera em 1959, estreando-se no palco do Rossio em "O Lugre", de Bernardo Santareno, com encenação de Pedro Lemos, com quem voltaria a trabalhar.

Contracenou com vários actores ao longo dos mais de 50 anos de carreira, nomeadamente com Palmira Bastos em "A visita da velha senhora" de Friedrich Durrenmatt (1960) encenado por Luca de Tema.

Em 1962 passa a integrar a Empresa de Teatros Vasco Morgado, estreando-se na alta comédia em "Loucuras de papá e de mamã" de Alfonso Paso, encenada por Manuel Santos Carvalho, no Teatro Avenida, em Lisboa.

Nesta altura, Henrique Viana estreia-se também no cinema sob a direcção de Pedro Martins, no filme "Aqui Há Fantasmas" (1963), o primeiro de uma longa lista de cerca de meia centena de títulos, tendo trabalhado com realizadores como Henrique Campos, João Botelho, João César Monteiro, Luís Filipe Rocha, José Fonseca e Costa, João Mário Grilo, Maria de Medeiros e Leonel Vieira em "O julgamento", que estará nos ecrãs nacionais no Outono.

Em 1967, no Teatro Variedades, estreia-se na Revista em "Sete Colinas" de César de Oliveira, Rogério Bracinha e Paulo Fonseca.

No ano seguinte funda com outros actores, encenadores e artistas plásticos o Teatro do Nosso Tempo, onde protagonizou "O porteiro" de Harold Pinter.

A experiência foi efémera, porquanto no ano seguinte Viana integra o elenco do Teatro da Estufa Fria e entra em várias peças, nomeadamente "O Irmão", de David Mourão-Ferreira, encenada por Orlando Vitorino.

Êxito ao lado de Raul Solnado

A partir de 1971 na companhia do Teatro Villaret, ao lado de Raul Solnado alcança um dos seus maiores êxitos com "O Vison Voador". Permanece até 1973 nesta companhia, onde participa em várias peças sob a direcção de Paulo Renato e Adolfo Marsilach.

Em 1973 regressa à revista, no Teatro ABC, com "Tudo a Nu", de Francisco Nicholson, Mário Alberto e Gonçalves Preto.

Em 1974 faz parte do grupo fundador do Teatro Adoque, com o objectivo de "renovar a revista à portuguesa".

No Adoque, Viana entra nas revistas "Pides na Grelha", "CIA dos Cardeais", entre outras, estreando-se como autor neste teatro com "Ó Calinas Cala a Boca" (1977), em parceria com Ary dos Santos, Francisco Nicholson e Gonçalves Preto.

É nesta época que grava os seus dois primeiros discos, precisamente de rábulas do Calinas que fizera para um programa radiofónico.

Volta a trabalhar com Solnado em "A Tocar é Que a Gente se Entende" e regressa em 1982 ao Adoque para a última revista deste teatro, intitulada "Tá Entregue à Bicharada".

Viana continua a trabalhar na revista e no ABC será uma das cabeças de cartaz de "É Sempre a Aviar" (1982/1983).

Vários trabalhos em televisão

Faz um interregno na revista para interpretar uma comédia de Adolfo Marsillach, que já o tinha dirigido no Villaret, e participar em "Hedda Gabler", de Henrik Ibsen, com encenação de Carlos Quevedo.

Na televisão foi um dos actores mais requisitados a partir da década de 1980. Participou no tele-romance "Chuva na Areia" (1985), de Luís Sttau Monteiro, contracenando, entre outros, com Rui Mendes, Virgílo Teixeira, Mariana Rey Monteiro, Alina Vaz, Manuela Maria, Laura Soveral e Natália Luiza.

"Sozinhos em Casa" (1993), que protagonizava com Miguel Guilherme; "Os Imparáveis" (1996); "Camilo na Prisão" (1998), em que contracenava com Camilo de Oliveira; "Esquadra de Polícia" (1999); "Alves dos Reis", "Processo dos Távoras" (2001); "Inspector Max" (2005); "Bocage" (2006); e "Paixões proibidas" (2007) foram outras séries televisivas em que participou.

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