Torne-se perito

Os anos de Blair contados pelo homem que criou a sua imagem

Alastair Campbell, o mais próximo colaborador do primeiro-ministro e o grande manipulador dos media, vai publicar as suas notas. Será "a sensação política do ano"

a A verdade, toda a verdade e só a verdade? Alastair Campbell, conselheiro de comunicação e estratégia de Tony Blair entre 1994 e 2003, publicará no dia 9 de Julho os seus "fantasticamente indiscretos" diários de Downing Street. O livro chama-se The Blair Years (Os Anos Blair) e é editado pela Random House. Receberá um milhão de libras de direitos de autor (quase 1,5 milhões de euros). Blair estará furioso e terá tentado atrasar a saída do livro. Autor e editor recusaram."Os diários registam o que vi, disse, ouvi, pensei, senti e fiz durante os momentos chave da liderança" de Blair, garantiu Campbell ao Evening Standard.
Mas dos "2,5 milhões de palavras" originais apenas 330 mil sobreviveram ao "lápis azul" de Campbell e do gabinete do primeiro-ministro, assegura The Guardian. Foram censurados os palavrões de Blair e, sobretudo, o que deliciaria muitos leitores, como as partes sensíveis das conversas com Bush, Clinton, Chirac ou a Rainha. Razão de Estado. Tal como a maior parte das confidências sobre a vida familiar do primeiro-ministro, que "enfureceram" Cherie Blair. Tributo à privacidade.
Campbell também não quer criar problemas ao futuro primeiro-ministro e, por isso, pouco haverá de novo ou interessante sobre Gordon Brown e os seus lendários conflitos com Blair, informa o Observer. Mesmo assim, sobrarão muitas histórias picantes. Será um best-seller. A "sensação política do ano", prevê o Observer. Pelo menos, "o autor assim o deseja. E o editor também."
Terá ainda, diz-se, partes não censuradas e de grande interesse histórico, como as relativas à Irlanda do Norte, e será fundamental para conhecer os bastidores do New Labour.
Trabalhista convicto, antigo jornalista, "com olhar de tablóide", amigo do magnata Robert Maxwell, Campbell construiu a imagem de Blair. Foi o seu mais próximo colaborador, o seu estratega na conquista da opinião pública, a quem muitos chamavam "o vice primeiro-ministro". Era também o "mestre dos spin doctors", os especialistas em manejar, apagar ou inventar a verdade, em descobrir o que vende, para quem política é acima de tudo comunicação.
Caiu em desgraça e demitiu-se em Agosto de 2003, após o escândalo provocado pelo suicídio do cientista David Kelly, especialista em armamento, a "fonte anónima" que permitiu à BBC denunciar as falsificações grosseiras de um relatório apresentado em Fevereiro aos deputados por Blair sobre as armas de destruição maciça de Saddam Hussein, para justificar a invasão do Iraque. Campbell foi um dos seus inspiradores.
Publicação imediata?
Antigamente havia a "regra dos 30 anos", hoje os políticos e seus colaboradores, e mesmo diplomatas ou altos funcionários, publicam as memórias cada vez mais depressa, logo que deixam os cargos, anota Andrew Rawnsley no Observer. Como jornalista, inclina-se para a imediata publicação. "Mas um grande diário necessita de um ingrediente adicional e vital, que é a absoluta honestidade". Os diários e memórias são "documentos soberbos" para conhecer a história de um partido, um governo, uma época.
Mas, prossegue, o poder tem dois critérios. A maioria das memórias, como as de Campbell, censuradas ou não, são autorizadas. Já as preciosas notas do diplomata Jeremy Greenstock sobre "o que correu mal no Iraque", onde esteve como enviado especial de Blair, foram impedidas de vir a público.
O caso de Campbell faz evocar o do francês Jacques Attali, "conselheiro especial" de François Mitterrand durante os primeiros anos da sua presidência (1981-86). Logo que saiu do Eliseu, começou a publicar os três longos volumes de Verbatim, a transcrição das conversas com Mitterrand e deste com os políticos franceses e grandes do mundo. Mitterrand não se zangou. O livro é para ele lisonjeiro e Attali não o ousaria publicar sem a sua cumplicidade. Apenas se demarcou: Attali "tem aspas fáceis" e, no fundo, talvez se preocupe mais "com o número dos seus leitores do que com a verdade histórica". Verbatim foi demolido por alguns jornalistas e politólogos, por citações apócrifas, utilização de documentos "inverificáveis" ou utilização de notas tomadas por outros.
Quem é o grande prejudicado desta operação? Segundo Rawnsley, Tony Blair. "Gostaria de ser lembrado como o primeiro-ministro que presidiu a uma prosperidade sustentada, que rejuvenesceu os serviços públicos, refez a paisagem política e assumiu, no estrangeiro, posições altamente controversas mas com princípios."
O livro de Campbell ameaça dar a imagem de um primeiro-ministro obcecado pelos media.

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