Torne-se perito

"No dia do diagnóstico, senti-me a mulher mais impotente do mundo"

Serão cerca de sete mil os portugueses com doenças raras. O diagnóstico é difícil, a medicação caríssima, pode chegar a três mil euros por mês. Em muitos casos, não é comparticipada

a Passaram dez anos. Tatiana tinha apenas dois anos e meio. "A sua filha é portadora de síndrome de Rett, prepare-se para o pior. É uma doença degenerativa. Não tem cura." Sandra Madeira ouviu em silêncio o diagnóstico da doença da filha. E começou uma longa caminhada. Como Sandra e Tatiana, há muitos portugueses que ultrapassam os duros obstáculos da vida com uma doença rara. Há sete mil doenças raras no Mundo e as estimativas apontam para o mesmo número quando se fala em doentes portugueses.Nalguns casos, os sintomas podem servir como sinal de alarme - como na síndrome Cri-Du-Chat (Grito de gato) em que o choro do bebé é agudo e fino, soando a um miar de gato; noutros, não há um critério único que permita a identificação da patologia. "Há pessoas que viveram uma vida inteira com diagnósticos errados", nota Paula Costa, presidente da Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras - Raríssimas, que hoje lança no Jardim Zoológico, em Lisboa, uma nova campanha com o mote Porque há pessoas raras com necessidades raras.
Esta acção de sensibilização é para o público em geral, mas direccionada para técnicos de saúde. "A maior parte das pessoas já vai sabendo o que são doenças raras ou, pelo menos, já ouviu falar delas, e, por isso, a nossa prioridade é o diagnóstico", explicou ao PÚBLICO a empresária que dirige a Raríssimas, criada em 2002 e que tem 600 associados. Serão distribuídos cartazes em todos os hospitais e centros de saúde.
Há doenças raras que acabam por se tornar célebres por causa de um guião de um filme - como o caso de Os Outros, que retrata a doença de crianças conhecidas como "os filhos da lua" (uma vez que não podem apanhar sol) - ou de uma série de televisão - como o Dr. House, perito em diagnósticos aparentemente impossíveis. Mas há doenças que permanecem no quase anonimato com os seus nomes difíceis de pronunciar.
Amanhã consigo
Sandra teve de esperar quase um ano até ouvir a resposta para os sinais de regressão na marcha e na fala de Tatiana: "síndrome de Rett" [uma doença neurológica que afecta uma em cada dez mil crianças]. "Naquele dia, senti-me a mulher mais impotente do mundo. A minha filha tinha um problema e eu não conseguia resolvê-lo". Tatiana tem 12 anos, não anda, não fala, usa os olhos para comunicar com as pessoas que os sabem "ouvir". "Pela lei da vida, seremos os primeiros a ir. E depois, com quem é que eles ficam? É essa a nossa maior preocupação."
Em Setembro, a Raríssimas espera começar a construir a Casa dos Marcos, na Moita. Será uma casa de acolhimento para os portadores de doenças raras mais necessitados. Para este projecto de 2,8 milhões de euros, será lançada uma campanha nos próximos meses. "Precisamos de tudo. Dinheiro, cimento, areia, brita", afirma. "Com o apoio dos portugueses", a casa poderá estar pronta em 2008, diz (www.rarissimas.pt).
Há ainda demasiados problemas sem resposta imediata. "Há doenças cujo tratamento pode valer 3000 euros por mês. Na sua grande maioria, são muitíssimo caros", nota Paula Costa. No caso das doenças de pele, por exemplo, há muitos medicamentos que não são comparticipados. Alerta para a inexistência de dados sobre a prevalência destas doenças em Portugal. "Quando o Governo quer saber números, pergunta-nos." De acordo com a sua esperiência, as doenças raras mais frequentes no país serão as síndromes de Cornélia de Lange, Prader-Willi e Hungtinton.
Margarida Lima, geneticista do Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães, no Porto, sublinha que, com o "teste do pezinho", são já despistadas 17 doenças raras que têm tratamentos disponíveis. No caso das doenças do Lisosoma (grupo de 40 patologias metabólicas), o diagnóstico pode ser feito numa fase pré-natal e, por vezes, "tratado" com uma simples dieta. O Estado gastará cerca de 30 milhões de euros por ano nestas doenças. "Para algumas doenças há marcadores genéticos, para outras não", diz.
Na Tatiana, o gene só foi descoberto nos final dos anos 90. Sandra conclui: "Tudo o que posso fazer é dar-lhe a melhor qualidade de vida possível. Dar-lhe muito amor e carinho e transmitir às pessoas que estes problemas existem. Isto não termina aqui. Hoje é comigo, amanhã podia ser consigo".

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