Torne-se perito

Japoneses idosos mantêm a mente em movimento

A prosperidade e uma vida longa alimentam as vendas de jogos, livros e circuitos para exercitar o cérebro. Apesar de os médicos dizerem que os efeitos são discutíveis, o negócio destes produtos destinados
a combater a doença de Alzheimer e outras continua
a crescer. Por Mariko Yasumoto

a Todas as noites, antes de se deitar, Sachiko Sakurai joga um jogo de vídeo numa consola portátil que comprou recentemente. Mas Sakurai não é uma criança viciada em entretenimento digital. Tem 62 anos e espera ansiosamente o nascimento do seu primeiro neto dentro de dois meses. "Nunca imaginei que jogaria um jogo electrónico", diz Sakurai. "Mas estou a gostar disto."O que ela joga é um jogo para exercitar o cérebro, o Atama Scan, que faz parte de uma vasta gama de produtos para acuidade mental que fazem furor no Japão: livros, brinquedos, alimentos e outros produtos vendidos com a promessa de que conseguem redinamizar os cérebros envelhecidos.
Já se encontra à venda Origami para Exercitar o Cérebro. Os idosos podem fazer um Circuito de Treino Cerebral. Livros sobre o cérebro enchem as prateleiras da secção de produtos para idosos nas lojas. E robôs de brinquedo são postos à venda com frases do tipo: "Afagar este robô atrasa o envelhecimento."
Efeito discutível
O Japão é a nação do mundo em mais acelerado envelhecimento, com uma das mais longas esperanças de vida - 85 anos para as mulheres e 79 para os homens. Combinem-se estes dados demográficos com a prosperidade e o resultado é um mercado importante e um verdadeiro fenómeno. E não importa que muitos investigadores médicos digam que o efeito prático dos produtos é discutível.
As câmaras municipais estão a disponibilizar programas para os idosos como parte de um esforço para diminuir o risco de desenvolverem a doença de Alzheimer e reduzir os pagamentos, cada vez mais elevados, com os seguros relativos aos cuidados de saúde da terceira idade.
A cidade de Krume, no Sul do Japão, oferece uma aula de reminiscência, em que os residentes idosos se reúnem numa sala mobilada com uma mesa de cozinha antiga e dezenas de artigos dos anos 1950. A ideia é recriar o ambiente de há meio século para os ajudar a recordar experiências de juventude. As mentes idosas podem ser dinamizadas quando recordam o passado, segundo um membro da câmara.
Analistas afirmam que a tendência actual para exercitar o cérebro começou em 2004 e 2005, quando jogos de vídeo como o Brain Trainer da Sega Toys Co. e o Brain Age da Nintendo Co. se tornaram enormes êxitos. Desde o seu lançamento, o Brain Age para a consola DS da Nintendo vendeu já 6,7 milhões de cópias em todo o mundo, 3,4 milhões só no Japão.
"Quero manter o meu cérebro forte e saudável", afirma Sakurai, que gere uma empresa de cuidados para idosos no concelho de Saitama, a norte de Tóquio, e compreende os problemas dos doentes senis.
Ambos os jogos, que incluem exercícios simples de cálculo e palavras, tornaram mundialmente famoso o nome de Ryuta Kawashima, um neurocientista que supervisionou o seu desenvolvimento. Este professor da Universidade de Tohoku também escreveu uma série de livros de exercícios para o cérebro, que foram publicados em 2003.
Kawashima compilou os livros de exercícios com base em pesquisas que efectuou num lar de terceira idade no concelho de Fukuoka. Referiu que o cálculo e a leitura activam a área pré-frontal do cérebro em algumas pessoas, resultando numa melhoria da função cognitiva. "Os sintomas da doença de Alzheimer melhoraram e isto é um marco importante na pesquisa sobre a demência", disse Kawashima numa entrevista telefónica.
Kawashima afirmou que a popularidade dos jogos reflecte o nível do desenvolvimento económico do Japão. "A era da obtenção de riqueza material terminou e a atenção pública está a virar-se para a saúde mental", disse.
Na sequência do Brain Age e Brain Trainer, a Nintendo e a Sega lançaram versões de segunda geração dos jogos, e outros fabricantes têm produzido inúmeros jogos do mesmo género nestes dois últimos anos. No verso da embalagem está sempre uma fotografia de um médico que concebeu ou que recomenda o produto.
O Instituto de Pesquisa Yano, um think-tank de economia, prevê que as vendas de jogos para exercitar o cérebro aumentarão 39,4 por cento este ano, para 23 mil milhões de ienes, cerca de 150 milhões de euros, afirmou Mika Fukuoka, um analista do instituto.
Indústria em crescimento
No Outono passado, Ritsuko Isozaki aderiu ao Circuito de Treino Cerebral organizado pelo Instituto de Turismo para a Saúde JTB, tendo frequentado um centro de "exercício cerebral" numa estância de montanha no concelho de Nagano. Depois de a sua idade cerebral ter sido avaliada através de um jogo de computador, contou esta reformada de 65 anos, participou numa actividade de trekking, num jantar e num banho termal que, segundo afirma o instituto, iriam "fortalecer" o seu cérebro.
Caminhar para trás e andar de lado como um caranguejo fazem parte do programa de exercícios. O organizador explicou que estas actividades eram desenvolvidas sob a supervisão de peritos em psicologia e neurociências.
Um fabricante de material de escritório criou cadernos e canetas coloridos para os idosos, apregoando que eram bons para os seus cérebros. Aulas de leitura estão disponíveis para os idosos em escolas de formação de adultos, que afirmam que ler alto pode manter a juventude da mente. Um professor do concelho de Wakayama publicou um livro intitulado Ouvir Rádio Pode Treinar o Vosso Cérebro, enquanto um grupo de investigadores japoneses publicou a seguinte descoberta: Tocar bateria pode activar funções cerebrais.
Mas muitos especialistas afirmam que muitas vezes não existem fundamentos médicos para as afirmações que esta indústria emergente faz sobre os seus produtos. Quando muito, "os exercícios mentais podem atrasar o início da doença de Alzheimer", mas "não impedem o desenvolvimento da doença", afirmou Heii Arai, um professor do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Universidade Juntendo.
Chiaki Ura, uma investigadora do Instituto Metropolitano de Gerontologia de Tóquio, afirmou que "o mecanismo da doença de Alzheimer ainda não está explicado e as pessoas estão a testar diversos regimes". Citando estudos recentes sobre uma vacina contra a doença de Alzheimer que teve resultados promissores, disse: "Se esta vacina for uma realidade, o frenesim dos exercícios cerebrais acabará." Mas até lá não parece provável que esta moda desapareça rapidamente.

Exclusivo PÚBLICOThe Washington Post
Tradução de Maria João Reis

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