Em Terra de Homens

Título: Em Terra de Homens
Autor: Hisham Matar
Tradutor: Teresa Swiatkiewicz
Editor: Civilização
Pp: 272
Preço: 15,90 euros




"Há dirigentes eleitos no Ocidente a conspirar com o ditador da Líbia"

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Hisham Matar DR

Kadhafi é muito maltratado no livro “Em Terra de Homens”, brilhante estreia literária de Hisham Matar, líbio nascido em Nova Iorque e exilado em Londres. O escritor diz que não se sente corajoso ou “injustificadamente medroso”. O seu pai, um dissidente, desapareceu em 1990 e a família nunca mais o viu.

Suleiman não compreende por que a mãe “adoece” sempre que toma um “remédio” na ausência do pai. Não compreende por que, nos devaneios alcoólicos, ela lhe conta como foi obrigada a casar adolescente e fez tudo para abortar do seu “príncipe”. Não compreende por que os adultos sussurram à sua volta e lhe imploram que guarde segredos. Não compreende por que são queimados livros, a casa e o bairro vigiados por “agentes revolucionários”, e na sala é colocado um gigante retrato do excêntrico coronel Muammar Kadhafi. Não compreende por que o pai, homem de negócios, se esconde no quarto, desfigurado pela tortura, depois de o melhor vizinho ter sido interrogado e executado, em directo pela televisão. Em 1979, Suleiman tem 9 anos quando deixa Trípoli para se refugiar no Cairo. Aos 24 anos, classificado pelo regime do “Guia” como “um cão perdido”, encontra algumas respostas para o que antes não entendia. Há muito de Suleiman el-Diuani em Hisham Matar – exilados e filhos de dissidentes políticos –, mas o autor de “Em Terra de Homens”, nomeado para o Man Booker Prize de 2006 e outros prémios, assegura que não há nada de autobiográfico nesta “obra da imaginação”. O escritor, líbio nascido em Nova Iorque e agora exilado em Londres, confessa-se deslumbrado, mas confiante de que terá “êxito no esforço de não ser uma celebridade”. A entrevista foi feita por e-mail.

Para escrever “Em Terra de Homens”, revelou ao “Guardian”, desistiu de ser arquitecto, fez várias tarefas (de pedreiro a encadernador) e até enfrentou graves problemas financeiros. Pode explicar este processo de criação, que demorou cinco anos a concluir?

Sim, numa das primeiras entrevistas que dei, mencionei inadvertidamente que durante os anos que levei a escrever “Em Terra de Homens” enfrentei algumas das mais árduas dificuldades financeiras. Agora, lamento a minha ingenuidade. Revelar informações de carácter tão pessoal não é apenas indiscreto mas pode parecer que andei a mendigar para escrever. “Em Terra de Homens” não é melhor nem pior pela infelicidade ou boa sorte por que o autor tenha passado.

O senhor insiste, frequentemente, em que Suleiman, o protagonista, não é um retrato seu. Que “Em Terra de Homens” não é uma autobiografia. No entanto, há tantas semelhanças: rapazes que deixaram a Líbia aos 9 anos e nunca mais regressaram, um pai que era dissidente político, uma mãe que faz tudo para salvar a família… Poderemos, pelo menos, afirmar que este livro é uma ficção com notas autobiográficas?

Os romances são obras de imaginação. Lê-los com essa intenção tão literal estreita e limita o nosso compromisso com eles.

Este livro chama-se “Em Terra de Homens” mas os principais personagens são uma mãe e o seu filho. Porquê este título? E por que decidiu centrar a obra nesta relação particular?

O título é irónico. O livro centra-se sobretudo em duas personagens – um rapaz e uma mulher – cujas vidas são moldadas pelas acções dos homens que os rodeiam.

É verdade que a parte mais difícil de escrever foi aquela em que o pai de Suleiman regressa a casa depois de ter sido torturado? Porque evoca a situação do seu próprio pai?

Não se tem passado um dia desde o desaparecimento do meu pai que eu não pense nele. Por isso, ao descrever esta intimidade entre um pai e um filho ela volta ternamente à minha mente.

Podemos ler este livro como um tributo ao seu pai e/ou com um libelo contra o regime de Muammar Kadhafi?

O livro é independente; não fala em nome de nada nem de ninguém.

No “New York Times” escreveu um artigo em que critica os Estados Unidos (e os aliados britânicos) por terem perdido a oportunidade de fazerem do julgamento e libertação de centenas de prisioneiros políticos nas cadeias líbias condições prévias ao estabelecimento de relações diplomáticas com Trípoli. É tarde de mais para pressionar a ditadura de Kadhafi?

A democracia é mais uma responsabilidade do que um luxo. Não se pode culpar um povo pelas acções do seu ditador, mas somos todos responsáveis pelas acções dos nossos dirigentes eleitos. E se esses dirigentes estão, efectivamente, a conspirar com uma ditadura contra os princípios dos direitos humanos e do estado de direito, é certo que esses dirigentes eleitos estão a trair os valores que o ou a levaram ao poder.

Se há hipocrisia nas relações entre o Ocidente e Kadhafi, também causa perplexidade o facto de o senhor não criticar o regime de Hosni Mubarak quando sabe que foram os serviços secretos egípcios que o raptaram e entregaram a espiões líbios. O senhor e Suleiman, o seu protagonista, falam com afeição do Cairo. Alexandria foi até escolhida como cenário da última cena de “Em Terra de Homens”. Porquê?

Tenho frequentemente mencionado o papel do Governo egípcio no sequestro ilegal e subsequente prisão do meu pai. Não é de todo verdade dizer que não tenho sido crítico. Quanto à natureza da relação de Suleiman com o Egipto, tudo o que sei sobre ele está no livro. Confundi-lo comigo não ilumina nada, apenas nos torna a ambos obscuros. Quanto a mim, não me lembro de alguma vez ter falado de maneira amigável ou hostil sobre qualquer país. Não podemos dizer que somos amigos ou inimigos de um país, porque só podemos ser amigos de indivíduos.

Alguma vez considerou a possibilidade de regressar à Líbia ou vive receoso depois de escrever esta obra, espécie de “Democracia Agora” – o livro do pai Suleiman que este poupou de ser queimado numa fogueira? Sabemos que, pelo menos no passado, Kadhafi enviava os seus agentes para matarem opositores e activistas políticos no estrangeiro. Tem medo?

O que eu procurei criar não foi um argumento político. Não vejo a minha obra como “política”. Não me considero uma pessoa corajosa mas também não sou injustificadamente medroso.

Assinou um contrato com a Penguin para um segundo livro. Já o começou a escrever? A Líbia estará novamente presente?

Não falo sobre o que estou a escrever. É uma velha tradição e prefiro continuar a respeitá-la.

O que significou, para si, ter sido nomeado para o Man Booker Prize (em 2006), para The Guardian First Book Award e outros prémios?

A maioria dos prémios são uma espécie de circo, mas alguns circos podem deslumbrar até um adulto.

Até que ponto é que esta “celebridade” mudou a sua vida?

Até agora consegui evitar ser uma celebridade, e não tenho dúvidas de que continuarei a evitar sê-lo, com muito êxito.

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