Javier Solana, o alto-representante de quase nada

Quando a sua escolha foi anunciada no Conselho Europeu de Colónia de Junho de 1999, Henry Kissinger deve ter sorrido. O poderoso conselheiro de Nixon e de Ford passara a vida a reclamar contra o facto de não haver "um número de telefone da Europa" para o qual Washington pudesse ligar em caso de urgência internacional. Javier Solana seria o primeiro alto-representante da Política Externa e de Segurança Comum, designação completa de "Sr. PESC", o primeiro passo no sentido de dar à União Europeia pós-Maastricht "uma só voz" na arena internacional.Francisco Javier Solana Madariaga não era uma pessoa qualquer. Não encaixava no típico perfil baço em que recaem as escolhas dos líderes europeus quando querem que tudo fique exactamente na mesma. Pelo contrário. Ocupava, desde 1995, o cargo de secretário-geral da NATO. Acabava de liderar a Aliança na primeira intervenção militar da sua histórica contra um país soberano, em nome da ingerência humanitária. Conseguira o milagre de manter os aliados unidos durante os três meses de bombardeamentos contra a Sérvia. Fizera ceder Slobodan Milosevic. Era o homem do momento.
Quase oito anos depois, com o seu rosto de barba rala, o seu sorriso afável e o seu inglês fluente de inconfundível sotaque castelhano, é incontornável na cena internacional. Toda a gente o conhece. Está em toda a parte. Tem gabinete em Bruxelas, onde funciona uma espécie de diplomacia europeia à espera desse estatuto. Conseguiu navegar pelas crises que a Europa viveu desde então, dilacerada pelo 11 de Setembro, pelo Iraque, pelo unilateralismo americano, pelo Irão, pelo Médio Oriente, sem nunca perder o sorriso. Cumprindo a missão absolutamente impossível de ser a "voz" da Europa mesmo quando Paris, Berlim e Londres falam cada uma a sua língua.
Na semana passada, foi notícia por outra razão - por ter resolvido desempenhar com zelo uma das funções que o Tratado lhe atribui: "Assistir o Conselho nos assuntos de política externa, contribuindo para a formulação, preparação e implementação das decisões da União nesta matéria." Forneceu aos ministros dos Negócios Estrangeiros um "documento de reflexão" sobre o Irão que é um retrato impiedoso do fracasso da diplomacia europeia. O episódio encerra, em si mesmo, todas as ambiguidades da PESC e, por extensão, do homem que é suposto representá-la. Só alguém muito particular conseguiria desempenhar este papel, de "caixeiro viajante" de coisa nenhuma ou de quase nada, sem tombar, vítima do ridículo ou da irrelevância. Mas Solana é um sobrevivente.
Nasceu em Madrid há 64 anos, no seio da mais pura "aristocracia intelectual", neto do diplomata, escritor e europeísta Salvador de Madariaga, filho de pai cientista e de mãe historiadora, estudou nos melhores colégios de Espanha, matriculou-se em Química na Universidade Complutense de Madrid até ao dia em que a contestação ao regime de Franco o empurrou para Inglaterra e, depois, para a América. PhD em Física e tempo para protestar contra a guerra do Vietname.
Regressado a Espanha em 1971, ajuda a renovar o PSOE ao lado de Felipe González - estará sempre ao lado de González. É seu ministro da Educação, da Ciência, da Cultura e dos Negócios Estrangeiros, o único que o acompanha do princípio ao fim e o único que sai incólume dos destroços em que termina o seu reinado. Bill Clinton salva-o do destino apagado de sucessor do líder socialista, apoiando a sua escolha para secretário-geral de uma NATO em plena transformação.
Daí para a frente, o seu percurso é conhecido. Tão ambíguo como a própria PESC. Tão forte quanto a sua determinação em "fazer da Europa um actor internacional".
Wesley Clark, o general americano que comandou a seu lado a guerra do Kosovo, quis saber qual era o segredo do seu sucesso. "Não fazer inimigos e nunca fazer uma pergunta da qual não saiba ou não goste da resposta."
Teresa de Sousa assina este espaço alternadamente com José Vítor Malheiros
El País
Independentemente de qual venha a ser o resultado final, o recente acordo nuclear com a Coreia do Norte mostra até que ponto pode ser importante em situações de crises dialogar frente a frente com o inimigo. (...) É altura de Bush aplicar a mesma estratégia ao Irão, onde há pouco a perder e muito a ganhar.
The Washington Post
Os recentes passos da Administração Bush contra o Irão, que incluíram o envio de um segundo porta-aviões para o Golfo Pérsico e a detenção de agentes iranianos no Iraque, preocuparam muitos em Washington, que temem que a Casa Branca possa estar a preparar-se para outra guerra. Felizmente, algumas pessoas influentes em Teerão parecem estar a ficar igualmente nervosas.
New Zealand Herald
Os EUA insistem que há uma lição para Teerão no caso do acordo sobre o nuclear da Coreia do Norte. (...) Mas não que o acordo com Pyongyang também tem lições para os EUA. Ou que a vontade de conversação e compromisso poderia também ser útil no caso do programa nuclear iraniano. (...) Foi crucial que tenha existido vontade de negociar cara a cara com os norte-coreanos.
Arab News
No Médio Oriente, que está profundamente preocupado que os EUA estejam a preparar-se para um confronto militar com o Irão sobre os seus alegados planos nucleares, o acordo com a Coreia do Norte é motivo para esperança. Mostra que a Administração Bush consegue encontrar soluções diplomáticas para grandes problemas (...). Mas no caso do Irão, não há um equivalente à China. Ainda não foi encontrado um mediador. (...) A Rússia é uma possibilidade. Também um ou dois vizinhos árabes do Irão. Há outra alternativa: a Índia.
O que é que permitiu à chanceler Angela Merkel tornar-se, no período de mais ou menos um ano, um dos principais líderes políticos europeus? A biografia de Jean-Paul Picaper, jornalista francês, sobre Merkel, Angela Merkel: Une Chancelière à Berlin, La première femme à gouverner l"Allemagne, responde a esta questão. Neste momento, a chanceler alemã é respeitada na Europa. Reconstruiu a relação transatlântica com os Estados Unidos, após os desentendimentos do governo de Gerard Schroeder. É firme em relação à Rússia sem colocar em causa o relacionamento bilateral com Moscovo. E, no Médio Oriente, é hoje o líder europeu com mais credibilidade. Israel confia nela e o mundo árabe respeita-a. A chanceler Merkel alcançou este estatuto porque possui uma seriedade que contrasta com o oportunismo do seu antecessor. A capacidade de dizer o que pensa ou de discordar com o seu interlocutor é uma das suas principais qualidades. Aliás, como explica muito bem Picaper, a sua honestidade durante a campanha, na qual explicou claramente aos alemães a situação do país e o que seria necessário fazer para melhorar, impediu-a de conquistar a maioria, principalmente quando enfrentava um opositor que não hesitava em recorrer a argumentos populistas.
Além da seriedade com que faz política, a chanceler Merkel beneficia de nunca ter conquistado alguma coisa facilmente. Pelo contrário, já passou por testes muito difíceis. Nada lhe foi dado. Foi muito complicado crescer e estudar na antiga RDA na década de 1960, onde não se beneficiava das facilidades de que gozavam os alemães do Ocidente. Nunca passou pela cabeça da actual chanceler chegar onde está hoje.
Quando se envolveu na vida política alemã, as dificuldades não acabaram. Já como responsável pela CDU, no final da década de 1990, teve que enfrentar a pior crise da história do partido, o chamado Kohlgate, ou a crise dos financiamentos partidários. Depois teve que se impor num partido, conservador e com traços machistas, onde muitos olharam sempre com uma grande desconfiança para "aquela política vinda da antiga Alemanha comunista". Por fim, aguentou a rábula de Schroeder após as eleições, quando só reconheceu a derrota quase duas semanas depois do dia do escrutínio. Não só sobreviveu à tentativa de a impedirem de chegar a chanceler como conduziu com mestria as negociações para formar a grande coligação. Uma vida de dificuldades deu-lhe uma capacidade de sofrimento, uma resistência e uma fibra quase inigualáveis na Europa de hoje.
Por fim, a vida na RDA transmitiu-lhe convicções políticas muito fortes. Sabe o que é viver sem liberdade, política e económica, sem prosperidade e sem regalias sociais. Este passado fá-la defender incondicionalmente os princípios e os valores do mundo livre. Neste sentido, pode ser fundamental para ajudar a uma renovação intelectual, cultural e ideológica de que a Europa tanto precisa. O último capítulo, "Vers le rouge et le noir", ajuda-nos a entender este retrato. Involuntariamente, a história oferece-nos por vezes momentos de extrema justiça. É inteiramente merecido que no ano em que se celebra meio século de integração europeia e em que se prepara a União alargada para o futuro, esteja na sua presidência uma líder que dá um enorme valor ao privilégio de viver numa sociedade livre.
Investigador do IPRI e membro do Gabinete do Presidente da Comissão Europeia

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