Salazar vence a sua primeira eleição como o Pior Português de Sempre

O ditador ganhou a Mário Soares apenas por 181 votos. "O potencial cómico [desta votação provocadora] não estava no vencedor, estava na amostra"

a Do que nós precisávamos não era de um Salazar, nem de dois, nem de três, mas "de dez ou vinte Salazares". O entrevistado por Filipe Homem Fonseca para um sketch do programa especial O Pior Português de Sempre não adivinhava, mas o presidente do Conselho ia mesmo vencer a eleição, mas sem voltar ao poder. O escrutínio serviu para eleger António Oliveira Salazar como o maior responsável pelo actual estado de Portugal e não como o "pai" por quem alguns portugueses continuam a suspirar.O resultado da votação feita pelo público do Eixo do Mal, da SIC Notícias, e pelos leitores do Inimigo Público mostra que, em momentos de incerteza, "há uma nostalgia muito grande por uma autoridade e por um despotismo, a necessidade de um pai", algo muito português e, mais ainda, argumenta Nuno Artur Silva, "uma característica puramente salazarista". Quando o Eixo do Mal e o Inimigo Público decidiram lançar a sua "provocação", depois do arranque dos Grandes Portugueses na RTP1, esperavam "discutir personagens históricas" e "deixar as figuras mais actuais para os Grandes Portugueses", explicou Luís Pedro Nunes, director do suplemento satírico do PÚBLICO, à saída da emissão em directo que coroou também quem melhor representa o pior de ser português - Fátima Felgueiras.
"Mas os portugueses insistiram nos ex-primeiros-ministros, só pensam no Durão e no Cavaco", riu-se. E em Mário Soares. Num programa sem aplausos quando se anunciam vencedores e sem púlpitos para os agradecimentos dos distinguidos, Salazar ganhou a Mário Soares apenas por 181 votos. Para Luís Pedro Nunes, fica a descoberto um violento anti-soarismo latente em Portugal, visível também nas tentativas ilícitas de subverter os resultados. Tal como as votações por mensagem sms no concurso Grandes Portugueses foram alvo de pirataria, para forçar um voto em Salazar e noutra figura finalista, também a votação nos piores portugueses não escapou a esse traço do pior de Portugal que é a falcatrua.
"Houve tentativas (de pirataria) de toda a maneira e feitio na primeira fase da votação", resumiu Luís Pedro Nunes, mas assim que a produção centralizou os votos para os cinco finalistas num único computador e apertou o controlo por registo de IP (Internet Protocol, que identifica, neste caso, a origem do voto) tornou-se "mais difícil" perverter a eleição. Luís Pedro Nunes garantiu que para a votação nos cinco finalistas de cada categoria os números voltaram a zero e que os votos "claramente fraudulentos", como se lê no blogue do Pior Português, foram anulados.
"Dois Portugais"
"É extraordinário como o Filipe Homem Fonseca não precisou de muito para encontrar aquelas pessoas" que, no sketch final do programa, clamavam por Salazar e elogiavam o tempo da ditadura, comentou o director das Produções Fictícias.
Nuno Artur Silva admitiu que o resultado das votações o surpreendeu, mas rejeitou que o potencial cómico do galardão-provocador se tenha perdido por ter sido distinguido um ditador, alguém no extremo do espectro do melhor e do pior. "Eu acho que o potencial cómico não estava no vencedor, estava na amostra e em conseguir criar um efeito dramático, que revelou estes dois Portugais", entre Soares e Salazar, entre os Grandes e os Piores Portugueses.
A presença do ex-Presidente e antigo primeiro-ministro Mário Soares no lote final dos piores portugueses causou reacções sérias no painel de comentadores do programa transmitido terça à noite na SIC Notícias. Daniel Oliveira considerou que se Soares ganhasse, tal seria uma "injustiça" e indicou mesmo que o socialista é um "homem que deveria estar nos Grandes Portugueses". Clara Ferreira Alves classificou como "absolutamente imoral" a selecção de Mário Soares. E na Internet circulou um apelo por e-mail ao voto em Salazar, num momento em que Soares estaria à frente na votação. Na mensagem electrónica dizia-se que "há coisas com que não se brinca, nem a brincar".
E se Salazar for escolhido como o Grande Português? "Aí o problema já não é nosso", exclamou Nuno Artur Silva. "É um problema mais complicado", porque apesar de se tratar de "um passatempo", teria implicações sociais e políticas mais significativas. E, atentou, "nós não nos levamos a sério".

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