The Good The Bad and The Queen

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Um baterista nigeriano, um ex-baixista da que outrora foi a maior banda rock do mundo e um guitarrista etéreo juntam-se a um compositor hiperactivo, hiper-melódico, com vistas largas, cínico, hiper-romântico, simultaneamente aventureiro sónico e melodista clássico, com muitos carimbos no passaporte e o único músico europeu (à excepção da toupeira cantante da Islândia, Bjork) capaz de juntar quem quiser num estúdio, capaz de fazer a música que quiser e convencer uma editora a dar-lhe bom dinheiro para encher um estúdio de "nerds". Resumidamente: Damon Albarn.

Conhecem o nome: o ex-Blur (ou ainda Blur?), ex-ai Jesus das moças britânicas (e não só), ex-cronista social das ilhas, actualmente homem à solta no mundo globalizado dos sons, criador de "Mali music" e dos dois álbuns (e do conceito e do improvável método de não-publicidade à banda) dos Gorillaz. Como vem sendo hábito, juntou uma mão cheia de luminárias para umas canções que tinha lá por casa, e agora o mais certo é as vendas sucederem-se e quando dermos por ela já o homem está embrenhado noutro projecto que não lembra ao diabo. A coisa chama-se The Good The Bad And The Queen. Tony Allen, Damon Albarn, Paul Simonon e Simon Tong - são estes os bons, maus e rainha. Estes e Danger Mouse, que produziu e misturou o disco de estreia do super-grupo. "Curriculum vita"” dos réus: Allen era o baterista de Fela Kuti, suposto inventor do afro-beat e compositor de tão bons discos como "No sleeping 'till Lagos" ou "Psycho on the bus"; Simonon foi o baixista dos Clash; Tong era o guitarrista dos Verve, eternamente desavindo com Richard Ashcroft (vocalista da banda); Danger Mouse foi o responsável pelo "Grey Album” (mistura do "White Album" dos Beatles com o "Black Album" de Jay-Z), o homem das máquinas no segundo disco dos Gorillaz e no disco de estreia dos Gnarls Barkley. Todos eles foram reunidos por Albarn. A expressão para reuniões desta ordem é "super- grupo", coisa que nos anos 80 esteve em voga com péssimos resultados. Mas hoje as mini-estrelas dos super-grupos não são dinossauros a escrevinhar canções e a planearem uma digressão no intervalo das carreiras a solo. São gente que percebeu que não basta fazer boa música, é preciso saber embrulhar a música numa ideia, depois pensar como vendê-la e fazê-lo de forma imaginativa. No caso dos The Good The Bad And The Queen a coisa é embrulhada com frases como "magnífica mistura de pop, jazz, afrobeat", pacata viagem cultural ao universo do exótico em lugar de primeira classe com direito ao conforto de uma boa melodia que o nome Albarn traz sempre. Os The Good The Bad And The Queen não parecem ser um projecto tão trabalhado quanto os Gorillaz. São antes um veículo para as canções mais calminhas que Albarn tinha lá em casa – aliás, à excepção do baixo "dubby" de Paul Simonon e da produção de Danger Mouse, pouco se sente a influência dos restantes músicos. E há pouca pirotecnia envolvida – talvez porque o nome de Albarn associado à restante malta já seja suficiente enquanto publicidade. Assim, em jeito de provocação, quase se podia dizer que "The Good The Bad and The Queen" é uma espécie de variação "dubby" das canções de pendor acústico/melancólico dos Blur. Vejamos: todas as canções partem dos dedilhados delicados da guitarra acústica de Albarn, usualmente há o baixo balançado de Simonon a dar groove, em, vá lá, um terço das canções, ouve-se aquela mão extraordinária de Tony Allen, e, muito em fundo, uns slides espaciais de Simon Tong. E por todo o lado há a produção suja de Mouse. E são todas canções de carrossel, pejadas dos órgãos plenos de cool que Albarn tanto gosta. Não havendo grandes canções pop (no sentido imediato) há óptimas canções pop (no sentido chazinho no sofá): "History song", logo a abrir, é uma delas e sobe a fasquia alto quando entra o tal baixo mansamente saltitão. Em "80s life" há uma variação de doo-woop com coros celestiais e campainhas. "Northern whale", ligeiramente menos dada a fumar quantidades industriais de erva, aproxima-se do universo Gorillaz. Seguindo pelo mesmo território, temos "Kingdom of doom" (guitarras cheias de efeitos, reverberações, podia estar em "Blur") e, imagine-se, "Herculean" podia ser uma canção dos Sparklehorse (mas não é suficientemente triste). Sendo que o disco mantém as coordenadas cinemáticas até ao fim (todas as canções valem a pena, e há duas ou três que são muito belas), inventemos uma descrição para isto. Por exemplo "Folk dubby em carrossel" – mas invente o leitor a sua categoria. E saudemos a liberdade de Albarn, a sua capacidade de se infiltrar nos sub-géneros que mais lhe apraz, saltar de projecto em projecto e não fazer uma má canção.

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