A Cenografia como "Arquitectura disfuncional"

João Mendes Ribeiro foi o arquitecto escolhido pelo Instituto das Artes para representar Portugal na Quadrienal de Praga 2007

Autor da cenografia de mais 30 espectáculos de teatro e dança, João Mendes Ribeiro foi anunciado esta semana, sem surpresa, como o representante de Portugal na Quadrienal de Praga 2007. Inserida na estratégia de internacionalização dos criadores nacionais do Instituto das Artes, responsável pela escolha do arquitecto João Mendes Ribeiro, esta será a primeira participação de Portugal no certame dedicado à Cenografia, que foi fundado em 1967 pelo Ministério da Cultura da República Checa e pelo Instituto de Teatro de Praga.Arquitecturas em Palco é o tema da mostra que João Mendes Ribeiro se propõe organizar. "O mais interessante nestas coisas é que nos permite fazer uma reflexão sobre o nosso trabalho, sobre a relação entre a Arquitectura e a Cenografia. Não vou fazer uma exposição monográfica", promete.
João Mendes Ribeiro diz considerar "uma honra" o facto de ter sido designado pelo Instituto das Artes. Mas percebe-se que já está habituado às distinções. Conquistou por duas vezes o prestigiado Prémio Architécti, em 1997 e 2000; venceu o Prémio Diogo de Castilho, em 2003; ganhou o Premis FAD d"Arquitectura i Interiorisme, em 2004; e coleccionou menções honrosas e nomeações para outros prémios em diferentes continentes.
Curiosamente, percebe-se que é por um tipo de distinção nacional, que até se diz estar algo banalizado, que João Mendes Ribeiro nutre especial carinho. Trata-se da Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, com que foi agraciado no ano passado pela Presidência da República. "Foi completamente inesperado, nem sei quem me propôs. Mas é o reconhecimento de todo um trabalho, o fechar de um ciclo. Fiquei logo com um orgulho enorme em ser português". João Mendes Ribeiro também entendeu a comenda como um reconhecimento da Arquitectura, que ainda sente "uma área esquecida", embora a ganhar presença nas páginas de alguns jornais: "As pessoas ainda não vêem a Arquitectura como algo que resolve os problemas das cidades e dos cidadãos, e concebem-na como mero acto artístico", nota. E lamenta a falta de sensibilidade para as questões da arquitectura: "Ninguém compra um automóvel ou um televisor sem tratar de conhecer tudo sobre ele; mas é capaz de comprar uma casa sem tratar de reunir uma data de informações essenciais sobre ela".
Como arquitecto, João Mendes Ribeiro tem trabalhado muitas vezes em "contextos históricos": assinou o projecto do Centro de Artes Visuais, de Coimbra, instalado no setecentista Colégio das Artes; concebeu a reformulação da Casa de Chá do Paço das Infantas do Castelo de Montemor-o-Velho; é um dos autores do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, no edifício pombalino do Laboratório Chímico, só para citar alguns exemplos. E constata que as suas intervenções resultam na "defesa da dicotomia edifício histórico-perene-contentor de memória/novos elementos efémeros, com capacidade de adaptação a novos usos".
Este tendência para a modularidade e flexibilidade funcional está também presente nas suas cenografias. Tendencialmente minimais e abstractas, acabam por interagir com o público: suscitam interrogações quanto à sua função e, nesse sentido, convertem-se em actores. Frequentemente, a função dos objectos/dispositivos que João Mendes Ribeiro coloca em cena só é definida pela utilização que os actores de carne e osso fazem deles. O cenógrafo fala destes objectos como uma "arquitectura disfuncional", que solicita a interacção como corpo humano, outro aspecto caro a João Mendes Ribeiro.
É por esta relação dos objectos com o corpo que João Mendes Ribeiro gosta particularmente de fazer a cenografia de espectáculos de dança, onde o gesto se sobrepõe ao texto.
João Mendes Ribeiro nasceu em 1960, em Coimbra, onde continua a gostar de viver, perto da família. Tem muito trabalho em Lisboa e no Porto, mas o arquitecto-cenógrafo gosta destas viagens, pelo tempo de reflexão que proporcionam. Além disso, Coimbra fica a meio do caminho entre as duas cidades e João Mendes Ribeiro reconhecer aqui uma certa"qualidade de vida". Com atelier junto à Rotunda dos Arcos, vai a pé para a Universidade de Coimbra, onde dá aulas no Departamento de Arquitectura. "Uma boa escola", garante, embora reconheça que ainda vai demorar uns anos a contrariar a degradação da paisagem da cidade.

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