Carlo Ponti Morreu um dos últimos grandes produtores do cinema europeu

Começou por ser advogado, mas Mussolini mudou-lhe
a vida. O produtor
de Doutor Jivago
ou Blow-Up é mais recordado por ter sido
o marido de Sofia Loren

Carlo Ponti produziu Doutor Jivago, Blow-Up, O Desprezo, A Estrada, ou Feios, Porcos e Maus, e trabalhou com Antonioni, Rossellini, Fellini, Godard ou Polanski. Mas o nome do produtor italiano, que morreu na madrugada de ontem em Genebra (Suíça), aos 94 anos, após uma hospitalização devida a complicações pulmonares, era mais recordado por razões extra-cinematográficas: Ponti descobriu, revelou Sofia Loren, um dos grandes ícones do cinema italiano, e casou com ela. Com a sua morte, desaparece um dos principais produtores europeus do pós-II Guerra: venceu por duas vezes o Óscar de melhor filme estrangeiro (em 1955 por A Estrada, de Federico Fellini, e em 1964 por Ontem, Hoje e Amanhã, de Vittorio de Sica) e trabalhou regularmente com os estúdios de Hollywood.
Natural de Magenta, perto de Milão, onde nasceu em 1912, Ponti começou por ser advogado, mas em 1938, um cliente do escritório onde trabalhava fugiu ao regime de Mussolini e passou-lhe a pasta. Sem nunca o ter pensado, Ponti tornava-se produtor de cinema, subindo a pulso até se tornar, em 1950, sócio de Dino de Laurentiis, que se tornaria igualmente num dos principais produtores independentes europeus.

Sofia LorenA sociedade manteve-se até 1955, ano em que seguem caminhos separados e Ponti cria a sua própria produtora. O primeiro dos 140 filmes em que o seu nome surge creditado como produtor foi Piccolo Mondo Antico (1941), de Mario Soldati, que, considerado "antialemão" pelas autoridades fascistas, lhe valeu uma curta pena de prisão. Foi, aliás, apenas a primeira de uma longa série de polémicas constantes na sua carreira: do seu "cadastro" contam duas tentativas de rapto em 1975 e uma condenação (à revelia) a quatro anos de prisão por transferência ilegal de fundos para fora de Itália em 1979, finalmente anulada no final dos anos 1980. Mas nenhuma foi maior do que as peripécias rocambolescas que rodearam o seu casamento com Sofia Loren.
Ponti descobriu a actriz em 1952 num concurso de beleza em Nápoles e dispôs-se a fazer dela uma estrela. O produtor era casado e tinha dois filhos, Loren tinha 20 anos a menos que Ponti, o affaire e o escândalo eram inevitáveis: o divórcio da primeira esposa e o casamento com a actriz realizaram-se por procuração no México, em 1957, mas foram considerados inválidos à luz das leis italianas e da Igreja Católica, que acusaram o produtor de bigamia (acusação que só seria levantada mais de dez anos depois).
Para escapar à pesada moral católica italiana, o casal exilou-se, acabando por se naturalizar francês e legalizando o seu matrimónio em Paris em 1966. Apesar de se atribuírem inúmeras aventuras extra-conjugais a ambos, o casamento, do qual nasceram dois filhos (Carlo Jr., maestro, e Edoardo, produtor e realizador), manteve-se intacto durante 50 anos.
Todas estas peripécias acabaram por ofuscar o papel importante que Ponti teve na economia do cinema europeu do pós-II Guerra. O produtor não escondia a sua preferência por filmes de qualidade; embora admitisse que "não faz sentido fazer um filme que ninguém queira ir ver só para criar uma obra de arte perfeita mas inútil", e tenha financiado muitas comédias populares (como muitos dos filmes do comediante Totó), devem-se-lhe também vários clássicos do cinema de autor europeu. Claude Chabrol, Jean-Luc Godard, Marco Ferreri, Michelangelo Antonioni, Milos Forman, Damiano Damiani e Roman Polanski contam-se entre os cineastas que apoiou.
As suas últimas produções, em finais dos anos 80, destinaram-se à televisão italiana: dois remakes, interpretadas por Sofia Loren, de Duas Mulheres e Sábado, Domingo e Segunda, dirigidas respectivamente por Dino Risi e Lina Wertmüller.

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