Cavaco Silva chega hoje à Índia em visita de Estado

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Em Belém, ninguém esconde a surpresa e a frustração quanto à timidez das relações comerciais hoje existentes com a Índia Armando Franca/AP (arquivo)

Ao chegar à Índia, em 1498, Vasco da Gama e os portugueses deram o pontapé de saída da primeira vaga da globalização. Hoje, quando chegar a Nova Deli para a primeira visita de Estado de Portugal desde há 15 anos a esta enorme potência emergente, Cavaco Silva pretende reatar relações privilegiadas com o "elefante nascente". E apanhar boleia na nova vaga da globalização, de que a Índia é um expoente reconhecido.

Considerada por muitos como "a próxima superpotência económica e tecnológica", este subcontinente asiático tem já hoje a quarta economia do mundo em termos de produto interno bruto medido em paridade de poder de compra (PIBppc) e é altamente provável que a sua taxa de crescimento económico seja a maior do mundo em 2007, ultrapassando a China, com a vantagem de possuir uma classe média de 300 milhões de pessoas com poder de compra (ver texto nestas páginas).

Aos jornalistas indianos que convidou para virem preparar a sua visita, Cavaco Silva deixou clara a aposta geoestratégica que o move: "É melhor fazer negócios com uma democracia, porque assegura maior transparência. É muito importante que os empresários dos dois países explorem as possibilidades de fazer negócios melhores no futuro." E frisou as áreas mais promissoras: "A Índia conheceu um tremendo crescimento e é hoje líder em tecnologias de informação, de biotecnologia, investigação farmacêutica e no sector das comunicações."

Descrevendo o primeiro-ministro, Manmoha Singh, como "o pai das bem sucedidas reformas económicas e da liberalização", o Presidente português declarou que esta visita pretende construir uma relação comercial e económica sustentável para o futuro, consolidando ao mesmo tempo as "excelentes relações políticas" entre os dois países.

Em Belém, ninguém esconde a surpresa e a frustração quanto à timidez das relações comerciais hoje existentes com a Índia - uns irrisórios 25 milhões de euros de exportações portuguesas por ano -, lamentando-se que desde a pomposa visita de Estado que Mário Soares efectuou em 1992 tenha havido uma única reunião da comissão bilateral, antes de a actual equipa da Presidência ter iniciado a preparação desta viagem, há cerca de quatro meses atrás.

É nesse contexto que se entendem as palavras do chefe da Casa Civil, Nunes Liberato, quando afirmou aos jornalistas lusos que esta visita não é "nem um passeio turístico, nem uma peregrinação histórica". A presença de uma comitiva empresarial composta por 65 representantes de topo das maiores empresas portuguesas, em sectores tão diversos como a informática, a construção civil, a banca ou os moldes, bem como os presidentes da AEP, AIP, CIP, Cotec mostra bem do que se trata. A pasta dos Negócios Estrangeiros faz-se representar pelo ministro e pelo secretário de Estado.

Definitivamente, esta é uma viagem de negócios. Com muito caril.

Extradições e protocolos para a troca

As maiores expectativas desta visita residem, naturalmente, do lado português. E não só em termos económicos: estão a ser ultimados alguns protocolos entre universidades e outras instituições, como aquele que o Instituto Camões e a Universidade de Goa assinam no fim-de-semana.

Mas também há algumas do lado indiano. Ainda hoje se pode estar a escrever, em Deli, o desejado acordo bilateral de extradição, caso se tenham ultrapassado as dificuldades colocadas por Portugal pelo facto de a Índia aplicar a pena de morte e a prisão perpétua.

O Tratado de Extradição com Portugal é considerado "muito importante" pela Índia, dado que está em negociações há quatro anos, explica o India Times. Uma equipa do gabinete de Relações Internacionais do Ministério da Justiça luso está desde segunda-feira a negociar o texto final do documento, que se deverá basear nos tratados existentes com a União Europeia e o Reino Unido.

Na memória de todos está o caso Abu Salem. O India Times lembra que as autoridades tiveram de "lutar" para conseguir convencer o Governo de Lisboa a extraditar o principal suspeito de um atentado bombista em Bombaim, que matou 257 pessoas e feriu mais de mil em 1993. Só o conseguiu depois de garantir a Portugal que nenhuma das penas extremas se iria aplicar a Salem.

Língua e história q.b.

E em termos geoestratégicos, o que pode a Índia ganhar com a ajuda de Portugal? Cavaco Silva lembrou aos jornalistas indianos que fomos um dos primeiros países a apoiar o anseio daquela potência nuclear em ter assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (o que ainda não aconteceu). E recordou também que Portugal presidia à União Europeia em 2000, quando a Índia intensificou as suas relações com a Europa.

Em 2007, Portugal volta a assumir a presidência da UE e, no final do ano, realiza-se sob a sua égide a Cimeira Europa-Índia. Citado pelo Hindustan Times, Cavaco afirma esperar que muitas das iniciativas que forem tomadas durante a sua visita prossigam e dêem frutos quando o primeiro-ministro, José Sócrates, visitar o país por essa altura.

Mas o grande trunfo esgrimido pelo Presidente da República é a possibilidade de Portugal poder ainda "fazer a ponte da Índia com o Brasil e a África, um forte mercado de 500 milhões de pessoas". Mesmo já existindo uma promissora ligação entre a Índia, o Brasil e a África do Sul, Cavaco Silva lembra que "mais de meio milhão de pessoas na África do Sul fala português e [Portugal tem] uma relação muito especial com o Brasil", afirmou ao Hindustan Times.

A língua portuguesa ainda é uma pátria, e afinal, a História bem pode ser a canela que adoça esta viagem.

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