O acto de ver com os próprios olhos

Vortex é um par de corpos impressionantes a interpretar o óbvio e o expectável.

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Os actores Dario Argento e Françoise Lebrun
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Os actores Dario Argento e Françoise Lebrun

Finalmente, um filme de Gaspar Noé que é capaz de levar o seu projecto de cinema um pouco além dos limites superficiais que sempre o tolheram. Esse projecto, obviamente, é o da obscenidade: mostrar tudo, não elidir nada, interromper os mecanismos do pudor e da reserva dando a ver o que eles costumam esconder. Demasiadas vezes, para não dizer todas as vezes, Noé resumiu isso a um fascínio, bastante pueril, com o choque e com o exibicionismo de cariz sexual — da brutalidade da cena de violação em Irreversível às acrobacias eróticas 3D de Love, tudo se esgotava em si próprio, como atracções de comboio-fantasma. Em Vortex, o objecto da obscenidade é bastante diferente, porventura um pouco mais complexo, mas certamente tratado com outra ordem de complexidade: simplificando, a degenerescência física e intelectual da velhice, e a morte. O desejo de entrada num “vórtice” (que é sempre o que Noé quer: “enter the void”, como o título do seu filme de 2009) por uma vez consubstancia-se, de forma anunciada pela introdução com um clip da jovem Françoise Hardy a cantar uma canção sobre o desaparecimento da beleza, e de facto sente-se logo aí qualquer coisa assombrada, tanto mais que se sabe que o estado físico de Hardy tem actualmente contornos dramáticos. Só depois da canção dela — como uma passagem por um portal — “entramos” no filme e conhecemos as suas personagens, um casal formado por Dario Argento (ele mesmo) e pela grande e sempre discreta Françoise Lebrun. Bebem vinho numa varandinha do seu atravancado apartamento parisiense, “a vida é um sonho”, “não, a vida é um sonho dentro dum sonho”, frase (aparentemente tirada a Poe) que se voltará a ouvir, como um leitmotiv poético da história (e este romantismo com uma simplicidade de “slogan”, por uma vez, parece minimamente justo).

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