Caçador de planetas pronto para ir para o espaço
O telescópio espacial Corot, que será lançado hoje à tarde do cosmódromo de Baikonour, no Cazaquistão, tem esta dupla missão: estudar os sismos de centenas de estrelas, para desvendar o seu interior e descobrir dezenas de planetas rochosos, na Via Láctea, aqui nas vizinhanças do Sol.
O objectivo duplo manifesta-se no nome do telescópio: Corot é a sigla inglesa de Convexão, Rotação e Trânsitos Planetários. Pode parecer que os sismos estelares nada têm a ver com planetas extra-solares. Mas não, diz Mário João Monteiro, do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto. Na missão Corot, coordena um grupo internacional para melhorar e verificar modelos sobre a evolução das estrelas através da técnica da sismologia estelar (e que inclui cientistas da Universidade de Coimbra).
Tanto o estudo dos sismos das estrelas como a detecção de planetas extra-solares podem usar a técnica da medição de pequenas variações no brilho de uma estrela.
Nas estrelas ocorre o mesmo que na Terra quando há um sismo: propaga-se uma onda acústica, explica Mário Monteiro. "Nas estrelas, há sismos regularmente. Há sempre ondas acústicas a ser geradas." A propagação dessas ondas, que atravessam toda a estrela até à superfície, faz com que ela se expanda e se contraia regularmente - no Sol, o ciclo é de cinco minutos. "Vemos a superfície do Sol a subir e a descer, e a ficar mais quente e mais fria." Se uma zona fica mais quente, emite mais energia, logo é mais brilhante.
O que causa os sismos nas estrelas é a convexão, ou seja, o transporte de gases de zonas mais quentes para zonas mais frias, até à superfície.
Através da sismologia estelar, podem-se resolver mistérios sobre as estrelas. "Não sabemos muito como é que a energia é transportada até à superfície." Isso é fundamental para saber como uma estrela evoluirá. "Temos dificuldade em determinar a idade das estrelas, o que tem impacto em todas as áreas da astronomia. São as estrelas que determinam a idade das galáxias e até do Universo." E perceber as estrelas é importante para compreender a formação dos planetas.
Os sismos do Sol são estudados desde os anos 70. O satélite Soho, da Agência Espacial Europeia (ESA) e da NASA, lançado em 1995, deu um contributo valioso. O Canadá lançou a missão Most para fazer sismologia estelar, mas é muito pequena. Observou 15 a 20 estrelas, e ficar-se-á pela vintena.
Assim, a sismologia estelar baseou-se até agora quase só no Sol. Através do estudo de outras estrelas, o Corot permitirá compreender melhor a nossa. Coordenada pelo Centro Nacional de Estudos Espaciais francês, a missão tem a participação de Espanha, Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil e ESA, através da qual Portugal participa, como um dos seus membros.
Mas se o brilho de uma estrela diminui periodicamente, isso pode significar que algo lhe passa a frente. Talvez um planeta. Este método, dos trânsitos, é uma das maneiras de descobrir planetas extra-solares (outro é medir pequenas oscilações na posição das estrelas, devido à acção da gravidade de um corpo em órbita delas). O Corot observará milhares de estrelas, para tentar ver planetas a meterem-se à frente delas.
O primeiro planeta extra-solar foi descoberto em 1995, pela equipa de Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório Astronómico de Genebra (Suíça), para a qual entrou depois o astrónomo português Nuno Santos, do Observatório Astronómico de Lisboa. Mas quase todos esses planetas são monstros de gás, sem uma superfície rochosa como a Terra, e descobertos através de telescópios cá em baixo.
O Corot é o primeiro caçador de planetas a ir para o espaço, entre outros previstos, e é de esperar que lá em cima, sem a interferência da atmosfera, comecem a encontrar-se planetas cada vez mais parecidos com a Terra, em tamanho e em condições para albergar a vida.