Ex-assessora afirma que Souto Moura sabia das suas conversas com jornalistas
Souto Moura sempre disse desconhecer as acções da sua porta-voz, chegando mesmo a acusar Sara Pina de ter agido por conta própria e a garantir que a matéria estava a ser objecto de investigação num processo pendente no Direcção Investigação e Acção Penal de Lisboa.
Na primeira entrevista desde que se demitiu, no Verão de 2004, Sara Pina afirma que Souto Moura sabia de tudo e que se reunia com ele " várias vezes ao dia para lhe dar conta do que se ia passando e obter as informações que devia dar".
Sara Pina cessou funções na Procuradoria-Geral da República em Agosto de 2004, depois de um jornal ter publicado excertos de uma gravação em que a assessora discutia com jornalistas informações do processo Casa Pia alegadamente em segredo de justiça.
Estas gravações — que também incluíam conversas com o então director da PJ, Adelino Salvado — foram feitas por um jornalista do "Correio da Manhã" e mais tarde furtadas e publicadas na imprensa.
"Nunca tive acesso aos processos em investigação"Na entrevista à "Visão", Sara Pina afirma que "o procurador-geral supervisionava e acompanhava o seu trabalho e os contactos estabelecidos com a comunicação social".
"A minha função era de responsável pelo gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral e enquanto tal agi sempre como porta-voz: os jornalistas colocavam-me as questões que eu transmitia ao procurador-geral que me dizia o que fazer, mesmo porque eu nunca tive acesso aos processos em investigação", afirma a ex-assessora de Souto Moura.
De acordo com Sara Pina, algumas vezes, perante algumas questões, o procurador-geral pedia-lhe que falasse com magistrados titulares dos processos e que estes lhe fornecessem informações.
"Eu transmitia-lhe o que me era dito [pelos magistrados] e ele decidia o que se divulgaria [à imprensa]", afirma.
Questionada sobre se as informações que prestou no âmbito do processo Casa Pia eram todas do conhecimento de Souto Moura, Sara Pina reforça que não tinha acesso aos processos e que o mesmo se aplicava ao da Casa Pia.
"As informações dadas através de comunicados ou conferências de imprensa, por e-mail, por fax, por telefone ou pessoalmente, eram do conhecimento do procurador-geral que decidia o que eu devia dizer com base nas faculdades que a lei concede para o esclarecimento público", diz Sara Pina.
A ex-assessora adianta também que o teor das respostas aos jornalistas era definido por Souto Moura verbalmente e muitas vezes por escrito — manuscritos que diz conservar.
Souto Moura poderá ser alvo de um inquéritoA antiga responsável refere ainda que as declarações que constam nas cassetes gravadas por um jornalista do "Correio da Manhã", que lhe foram atribuídas, foram "abusivamente truncadas e descontextualizadas". "Ainda assim", diz Sara Pina, "como foi tornado público pela comunicação social que noticiou o arquivamento do inquérito ao furto das cassetes, essas afirmações truncadas e descontextualizadas não violaram o segredo de justiça".
A ex-assessora diz também estar a ponderar "uma acção judicial contra aqueles que, de má-fé, causaram graves danos" na sua carreira profissional, "que foi sempre pautada por critérios de rigor e seriedade".
Contactados pela "Visão", dois membros do Conselho Superior do Ministério Público admitem que as declarações poderão desencadear a abertura de um inquérito a Souto Moura.