Ex-assessora afirma que Souto Moura sabia das suas conversas com jornalistas

Foto
Souto Moura estaria a par das informações passadas aos jornalistas Miguel Silva/PÚBLICO (arquivo)

Souto Moura sempre disse desconhecer as acções da sua porta-voz, chegando mesmo a acusar Sara Pina de ter agido por conta própria e a garantir que a matéria estava a ser objecto de investigação num processo pendente no Direcção Investigação e Acção Penal de Lisboa.

Na primeira entrevista desde que se demitiu, no Verão de 2004, Sara Pina afirma que Souto Moura sabia de tudo e que se reunia com ele " várias vezes ao dia para lhe dar conta do que se ia passando e obter as informações que devia dar".

Sara Pina cessou funções na Procuradoria-Geral da República em Agosto de 2004, depois de um jornal ter publicado excertos de uma gravação em que a assessora discutia com jornalistas informações do processo Casa Pia alegadamente em segredo de justiça.

Estas gravações — que também incluíam conversas com o então director da PJ, Adelino Salvado — foram feitas por um jornalista do "Correio da Manhã" e mais tarde furtadas e publicadas na imprensa.

"Nunca tive acesso aos processos em investigação"

Na entrevista à "Visão", Sara Pina afirma que "o procurador-geral supervisionava e acompanhava o seu trabalho e os contactos estabelecidos com a comunicação social".

"A minha função era de responsável pelo gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral e enquanto tal agi sempre como porta-voz: os jornalistas colocavam-me as questões que eu transmitia ao procurador-geral que me dizia o que fazer, mesmo porque eu nunca tive acesso aos processos em investigação", afirma a ex-assessora de Souto Moura.

De acordo com Sara Pina, algumas vezes, perante algumas questões, o procurador-geral pedia-lhe que falasse com magistrados titulares dos processos e que estes lhe fornecessem informações.

"Eu transmitia-lhe o que me era dito [pelos magistrados] e ele decidia o que se divulgaria [à imprensa]", afirma.

Questionada sobre se as informações que prestou no âmbito do processo Casa Pia eram todas do conhecimento de Souto Moura, Sara Pina reforça que não tinha acesso aos processos e que o mesmo se aplicava ao da Casa Pia.

"As informações dadas através de comunicados ou conferências de imprensa, por e-mail, por fax, por telefone ou pessoalmente, eram do conhecimento do procurador-geral que decidia o que eu devia dizer com base nas faculdades que a lei concede para o esclarecimento público", diz Sara Pina.

A ex-assessora adianta também que o teor das respostas aos jornalistas era definido por Souto Moura verbalmente e muitas vezes por escrito — manuscritos que diz conservar.

Souto Moura poderá ser alvo de um inquérito

A antiga responsável refere ainda que as declarações que constam nas cassetes gravadas por um jornalista do "Correio da Manhã", que lhe foram atribuídas, foram "abusivamente truncadas e descontextualizadas". "Ainda assim", diz Sara Pina, "como foi tornado público pela comunicação social que noticiou o arquivamento do inquérito ao furto das cassetes, essas afirmações truncadas e descontextualizadas não violaram o segredo de justiça".

A ex-assessora diz também estar a ponderar "uma acção judicial contra aqueles que, de má-fé, causaram graves danos" na sua carreira profissional, "que foi sempre pautada por critérios de rigor e seriedade".

Contactados pela "Visão", dois membros do Conselho Superior do Ministério Público admitem que as declarações poderão desencadear a abertura de um inquérito a Souto Moura.