Luna Dance

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Os Bunnyranch apareceram no final de 2002 e não esconderam ao que vinham: a primeira apresentação foi "Hungry", versão de um original de Paul Revere & The Raiders. Percebemos pelo single, não tivemos quaisquer dúvidas quando os vimos ao vivo, que havia na música da banda de Coimbra uma voracidade intrínseca ao rock'n'roll, um equilíbrio entre elegância – cortesia das teclas e da guitarra – e fervor pouco controlado – a secção rítmica, a voz de Kaló.

O álbum de estreia, "Trying To Lose", era a melhor representação possível desses fogachos eléctricos, "groove" mantido constante para exigir resposta ao corpo – estavam lá as pausas adoptadas do funk de James Brown, esse momento em que tudo se suspende para tornar mais excitante o momento em que o silêncio se quebra novamente. Era um óptimo álbum de dança, um contínuo rock’n’roll para go-go dancers, melómanos e não melómanos – basta ter sangue quente para responder devidamente ao que por ali se passa. Chega "Luna Dance" e, mesmo com a saída de Filipe Costa e a chegada de João Cardoso, à partida pouco mudou. O quadro de referências é o mesmo – não há versões de Kraftwerk, dos Joy Division ou dos Human League –, a voracidade mantém-se igual. Porém, rapidamente percebemos que isso significa simplesmente que a essência dos Bunnyranch é inalterável. Enquanto "Trying To Lose" fluía como experiência ao vivo – uma descarga contínua de adrenalina, "Luna Dance" mostra-nos os Bunnyranch empenhados nas canções. "We Got This Thing", wah-wah distorcido e Rhodes apontando o caminho, mostra Kaló compenetrado no grito soul – esquecido das lições de gospel, é certo, soul-man ainda assim. "Let Me Understand" tem efervescência "garageira" e um refrão que levaria Sting a fustigar-se por todos os pecados e encarnar definitivamente o rei mod de "Quadrophenia" – aquele "We must join forces" é levantamento pop que os Creation ou os Small Faces aprovariam. "The dog", por sua vez, é a balada possível em pessoal irrequieto – ou seja, em rotações elevadas demais e com uma guitarra demasiado assombrada para o ser realmente. "In the land of the poor" ginga pela pista de dança ao sabor do dueto de Kaló com Cláudia Ribeiro (Micro Audio Waves) em modo provocador – e, ali pelo meio, André Ferrão encarna Luther Perkins em clube de Memphis e estamos no céu. Em "Luna Dance" há mais "canções-canções", um equilíbrio entre a guitarra e os teclados – "Trying To Lose" era todo ele conduzido pelo movimento das teclas – e novas soluções, por discretas que sejam, a enriquecer o som – quase não damos pelo sax de Gui em "Your words are my jokes", mas ele é indispensável ao "swing" da canção. Há tudo isso, mas claro que temos "Can't stop the ranch" – título auto-explicativo – ou a irresistível "Flip Flop" para provar os Bunnyranch em versão vintage. É como dissemos. Os Bunnyranch podem ter mudado. A essência é felizmente a mesma.

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