Ministra diz que "museu da Língua e dos Descobrimentos é mais aberto e mais rentável"

Isabel Pires de Lima não está preocupada com o fim do Museu de Arte Popular. Diz que para fazer política é preciso optar

Lisboa vai ter a partir de 2008 um museu da Língua Portuguesa e dos Descobrimentos. A ministra foi ontem ao Museu de Arte Popular, em Lisboa, falar sobre o programa do novo museu, mas acabou por se concentrar no que vai acontecer ao antigo edifício construído em 1940 e que guarda mais de 25 mil peças de arte popular portuguesa. O destino desta colecção, que deixará de estar exposta quando o Museu de Arte Popular (MAP) der lugar ao Mar da Língua - Centro Interpretativo das Descobertas, dominou a visita, marcada, à chegada da ministra a Belém, pela entrega de uma petição contra o desaparecimento do MAP.
Foi Rui Santos, um dos autores do texto que pede ao Governo que explique por que razão decidiu acabar com aquele equipamento cultural (ver caixa), quem entregou a petição a Pires de Lima. Os quase 750 signatários lamentam que a colecção deixe de estar exposta naquele edifício modernista concebido pelo arquitecto Jorge Segurado para a Exposição do Mundo Português (1940), de que é o único pavilhão sobrevivente. Hoje todo o acervo está encaixotado e coberto de pó. Há janelas partidas, frescos tapados por plásticos e materiais de construção espalhados.
"Desaparecendo o museu, desaparece o testemunho da visão que o Estado Novo tinha da própria cultura popular portuguesa", diz Rui Santos. "Não faltarão oportunidades nem espaços para construir a memória do Estado Novo", respondeu a ministra no fim da visita, garantindo que a colecção será transferida para o Museu Nacional de Etnologia. "A vida dos museus não é eterna. Eles nascem, vivem e morrem. Não devemos estar presos a uma atitude conservadora."
Pires de Lima admitiu que o desaparecimento do MAP se traduz na perda de uma determinada interpretação da arte popular, mas diz que a instalação do centro naquele edifício de Belém, mesmo junto ao Tejo, é "uma opção museológica" clara: "É preciso fazer opções quando se faz política cultural. Um museu da Língua e dos Descobrimentos é mais aberto e mais rentável".
Mecenas por definir
O novo museu, defendeu a ministra, "é de uma importância fundamental para a autoconsciência da língua e para a afirmação do Português como língua de comunicação hoje". E admitiu que a abertura de um museu da língua portuguesa no Brasil a fez pensar no de Lisboa com mais entusiasmo, mas garantiu que os dois museus são "independentes" e "diferentes", apesar de terem uma "filosofia comum" e de haver já contactos entre o seu ministério e a Fundação Roberto Marinho, a entidade privada que desenvolveu o projecto no Brasil. O seu presidente, José Roberto Marinho, filho do fundador da TV Globo, esteve em Lisboa em Setembro e reuniu-se com a ministra.
Tal como no Brasil, o museu de Lisboa "será meramente virtual, sem acervo físico", apostando nas novas tecnologias e na interactividade. A Estação da Luz da Nossa Língua, em São Paulo, foi inaugurada há sete meses e teve já cerca de 400 mil visitantes, transformando-se no mais concorrido do país. "Fazer do museu da língua o mais visitado do país não é a nossa meta", disse a ministra, "mas queremos que seja um dos mais visitados de Lisboa".
A adaptação do MAP, fechado há três anos, vai custar 2,5 milhões de euros. A esta verba juntam-se os 3,5 milhões gastos nos últimos seis anos na consolidação do edifício, que foi encerrado parcialmente em 1999 devido à queda de algumas das coberturas. "Não são investimentos perdidos", disse o director do Instituto Português de Museus (IPM), Manuel Bairrão Oleiro, porque "as obras são de ordem estrutural, para assegurar o edifício".
Pires de Lima não quis falar das equipas de especialistas que estão a desenvolver os conteúdos do museu da língua e do centro de interpretação dos Descobrimentos. A ministra também não revelou qual será o parceiro tecnológico - que em São Paulo é a IBM - nem os mecenas (no Brasil são gigantes como a Petrobras e a Rede Globo), porque as negociações estão ainda a decorrer.
Pires de Lima diz que o novo museu vai permitir criar um circuito integrado de ligação entre os diversos monumentos relativos aos Descobrimentos que existem na zona de Belém: "Língua e Descobrimentos são interdependentes." Aos que a acusam de incoerência por estar a anunciar novos museus quando o IPM sofre um corte de 23,2 por cento no orçamento para 2007, a ministra diz apenas: "Contenção não significa paralisação, significa definir linhas prioritárias quer na despesa, quer no investimento".
"Um marco da cultura portuguesa"

Foi ontem entregue à ministra da Cultura um documento que pede explicações ao Governo sobre o encerramento do Museu de Arte Popular (MAP). Os autores do texto, Rui Santos, licenciado em História, e Pedro Sena-Lino, poeta, manifestam-se contra o desaparecimento de uma colecção que, escrevem, é "um marco inestimável da cultura portuguesa". Para além da importância arquitectónica e do próprio acervo, defendem que "o MAP é, em si mesmo, um documento histórico incontornável para o estudo da história do Estado Novo". Minutos antes de entregar a petição, Rui Santos explicou aos jornalistas que o MAP é um dos raríssimos exemplos na Europa de um museu de arte popular criado durante o fascismo que ainda hoje se mantinha intacto, em vez de ter sido desmantelado com a queda do regime.

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