Cinco funcionários da Câmara de Silves sujeitos a processo disciplinar

Para permitir a adjudicação de obras sem concurso à mesma empresa, a câmara fraccionou em 1200 facturas a despesa de cinco milhões de euros

A Câmara de Silves vai hoje analisar as conclusões de um inquérito interno, destinado a apurar responsabilidades na adjudicação de obras públicas sem concurso público, no valor de cinco milhões de euros, sempre à mesma empresa. Os vereadores da oposição (PS e CDU) já tinham pedido a intervenção da Policia Judiciária por entenderem que as eventuais ilegalidades, ocorridas entre 2004 e 2006, vão muito para além da violação do "dever de zelo" imputada a cinco funcionários, envolvendo também a maioria camarária do PSD. O principal visado no relatório é o chefe da Divisão de Serviços Urbanos e Ambiente (DSUA), que no início do Verão já tinha sido alvo de um primeiro inquérito, mandado efectuar pela presidente da câmara, Isabel Soares (PSD). A abertura desse inquérito, cujas conclusões apenas responsabilizavam o chefe da DSUA, foi ordenada depois de os serviços distritais de Finanças terem comunicado à câmara a existência de anomalias nas adjudicações de obras à firma Viga d"Ouro, uma empresa familiar com sede no concelho.
O novo inquérito, agora concluído, propõe a instauração de processos disciplinares não só ao chefe da DSUA, mas também a quatro outros funcionários: o Chefe de Divisão Financeira, o encarregado-geral das obras e duas administrativas. Ao chefe da DSUA são atribuídos os factos mais graves, uma vez que "existem indícios de violação do dever de isenção, zelo e lealdade". Aos outros quatro, apenas é apontada a violação do "dever de zelo".
O vereador da CDU, Manuel Ramos, embora recusando-se a comentar o relatório por não ser ainda do conhecimento público, adiantou ontem ao PÚBLICO que ele contém matéria "suficientemente clara sobre o envolvimento do gabinete da presidente neste processo" e que "a responsabilidade pelo pagamento das facturas não se ficava apenas ao nível dos funcionários".
O novo inquérito foi conduzido pela directora de Departamento Jurídico da Câmara de Tavira, Maria Antónia Nascimento e detectou a existência de "1200 facturas não suportadas por projectos, dispersas por várias frentes de trabalho em simultâneo".
Para fugir à obrigatoriedade de concurso público em empreitadas de montante superior 124.699 euros, explica a inquiridora, os serviços procediam ao "fraccionamento da despesa", por forma a baixar o valor até ao máximo de 4.987 euros, podendo dessa forma ser feito o "ajuste directo" à Viga d"Ouro, sem necessidade de concurso ou consulta ao mercado.
A falta de fiscalização destas empreitadas, sublinha Manuel Ramos, "está bem à vista no [processo do] saneamento básico de Algoz, onde a obra ficou por concluir e a empreitada está a ser paga através de uma operação de factoring" negociada entre a Viga d"Ouro e um banco.
Quando a questão dos ajustes directos veio a público, no início de Julho, a presidente da câmara mandou abrir um inquérito e suspendeu de imediato o chefe de divisão da DSUA (actualmente com baixa médica), tendo posteriormente autorizado o seu regresso ao serviço. A realização do inquérito foi entregue à chefe da Divisão Administrativa, Dina Baiona, mas esta recusou-se prosseguir a investigação quando terminou o relatório.
"Pediu escusa no momento em que foi deliberado que haveria continuidade do inquérito", disse Isabel Soares, em conferência de imprensa realizada a 14 de Agosto. A missão foi então entregue à directora do Departamento Jurídico da Câmara de Tavira, que agora concluiu o seu trabalho.

José Paulo Sousa, o vereador que desempenhava as funções de vice-presidente da Câmara de Silves desde 2001, pediu a demissão a 4 de Janeiro, alegando "motivos pessoais". Em Março, passou a trabalhar como advogado avençado para a empresa Viga d"Ouro. No passado dia 5 de Setembro, porém, em virtude das responsabilidades que teve na câmara (responsável pelo pelouro financeiro), anunciou à empresa que deixava de trabalhar com ela "nas relações com o município". Sobre os dois inquéritos, o antigo vice-presidente comentou apenas que "ninguém procurou conhecer a minha opinião". "Nunca mandei fazer obras, quem tinha o pelouro do orçamento era a senhora presidente", disse ao PÚBLICO. E sobre os dois chefes de divisão a quem a câmara poderá abrir processos disciplinares, José Paulo Sousa confirma: "trabalhavam comigo e com a senhora presidente". I.R.

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