Açores já estiveram sob efeito de dois furacões em outros anos

História da trajectória dos ciclones revela outros casos parecidos. Explicação pode estar nos efeitos de El Niño

Dois furacões no mesmo mês, o Gordon e o Helene, a terminarem em tempestade perto dos Açores. Pode parecer obra do azar, mas não é. Os Açores não só apanham uma vez ou outra com mau tempo originado por um ciclone, como não é raro que isto ocorra duas vezes no mesmo Verão.Basta consultar os arquivos do Centro Nacional de Furacões, dos Estados Unidos, onde estão registadas as trajectórias de todos os ciclones desde 1958. Exemplos não faltam: o Flora e o Hannah, em 1959; o Claudett e o Erika, em 1991; o Bonnie e o Charley, em 1992, o Ivan, o Jeanne e o Karl, em 1998. Todos caminharam perigosamente em direcção aos Açores e alguns deles passaram sobre o arquipélago. O Jeanne estendeu o mau tempo até Lisboa.
Desde 1998, a situação estava relativamente calma. No ano passado, quando o Atlântico bateu o recorde em número de furacões, uma tempestade subtropical formou-se mesmo junto dos Açores, no princípio de Outubro, mas não chegou a furacão e nem sequer mereceu um nome. Logo a seguir, a tempestade Vince caminhou para solo lusitano, mas desta vez rumo ao Algarve.
Há relatos seculares de furacões nos Açores. Em Agosto de 1591, galeões afundaram-se ao largo do arquipélago. Em tempos mais recentes, o furacão Emmy, em 1976, deixou uma marca trágica. Na noite de 3 de Setembro atingiu em cheio o grupo central dos Açores. Apesar de ter causado estragos menores, um avião venezuelano que se dirigia à Europa caiu no meio da tempestade, quando tentava pousar na base aérea das Lajes. Morreram 68 pessoas.
Em 1995, foi a vez do furacão Tânia. Nos primeiros dias de Novembro, passou de raspão sobre o grupo ocidental do arquipélago, com a força de uma tempestade tropical.
Nem todos os anos, porém, os Açores recebem a visita de tempestades derivadas de ciclones. Há Verões em que não se passa nada. O climatologista Ricardo Trigo, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, arrisca uma hipótese: o arquipélago tende a estar mais na rota dos furacões em anos de El Niño - um fenómeno relacionado com o aquecimento das águas do Pacífico, com influência global sobre o clima.
No último El Niño, em 1997/1998, quatro furacões inflectiram a rota na direcção dos Açores. Este ano, em que El Niño novamente está de volta, foram já dois.
É apenas uma tentativa de explicação, que teria de ser confirmada com uma análise detalhada da história dos furacões no Atlântico. E não seria fácil prová-lo, dado o número reduzido de tempestades que acabam por passar pelos Açores, o que torna mais difícil chegar a uma conclusão estatística relevante. "A diferença entre um e dois furacões pode dever-se ao acaso", diz Ricardo Trigo.

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