O assobio do musical português no São Luiz

Manuel Paulo adapta para palco o disco O Assobio da Cobra. João Reis e Diogo Infante cantam

Enquanto disco, O Assobio da Cobra foi um projecto de Manuel Paulo que à data da edição, Outubro de 2004, teve pouco impacto público. Mas alguém na editora deu ao compositor, pianista e membro da Ala dos Namorados um vislumbre do que poderia ser o futuro, ao sugerir um subtítulo aceite por Manuel Paulo: "A banda sonora de um filme por fazer". Não deu um filme, mas deu um musical, que estará entre hoje e 26 de Novembro no Teatro São Luiz, em Lisboa. Entre os actores que cantam estão Lia Gama e Diogo Infante.A encenação é de Adriano Luz, a direcção musical é de Manuel Paulo - ou seja, um regresso a Janeiro de 2005, quando na mesma sala subiu à cena o musical Cabeças no Ar. A diferença está nos letristas e compositores: agora as palavras são de João Monge, antes eram de Carlos Tê; as músicas são de Manuel Paulo, quando nos Cabeças no Ar eram de Rui Veloso e João Gil.
Nomes que se repetem na procura de uma linguagem do musical português contemporâneo, baseado em géneros adjacentes ao pop/rock, e onde se pode ainda juntar Sexta-Feira 13. Ou Portugal - Uma Comédia Musical, que em 2004 esteve também no São Luiz e cujo argumentista, Nuno Costa Santos, escreve agora os textos d"O Assobio da Cobra.
Este é, arrisca o encenador, "um musical negro". A Adriano Luz desagrada o "musical americano dos anos 50 com final feliz". Queria que as partes coreografadas "não fossem uma coisa à parte". Assim, colocou os seus actores/cantores/bailarinos num ambiente nocturno, num cabaret em tons de vermelho e violeta. Um balcão, um pequeno palco, uma casa de banho, um espaço para cadeiras, mesas e dança. Na casa de banho, um espelho-vídeo filma as personagens nocturnas e transmite quer o seu aspecto actual, o antigo, o futuro. Neste lavatório, as personagens vão, sós, lavar as mãos, a cara e as culpas, disfarçar com maquilhagem as mágoas e os medos.
No palco dentro do palco está a banda de serviço. Percussão, trombone, contrabaixo. E Manuel Paulo no piano, mas não só - é também actor. "É a minha estreia mundial! Dou um valor incrível [aos actores]. Só tenho aqui meia dúzia de palavras, mas quando se está em cima do palco enquanto actor quaisquer dez segundos parecem uma eternidade."
A personagem do pianista tem uma relação sentimental mal resolvida com o macho do covil, interpretado por Diogo Infante. Mas há outras facetas neste dominador, que se revelam quando no final canta O Cantor de Serviço, uma das incursões no reportório da Ala dos Namorados.
A escolha dos intervenientes acaba por ser uma surpresa apenas para quem não conhece a versatilidade destes actores. Temos os dois seres diurnos que invadem a escuridão fechada e tribal do cabaret: Carla de Sá, a grávida, que antes de voltar a desaparecer no dia interpreta Pelas Nuvens, uma fábula minimalista; e João Reis, o homem dos compromissos, que entra em registo de quase rap em Variações de Humor.

A mulher interventivaAdriano Luz diz que nem fez casting para escolher os actores. "Fiz convites, porque conhecia e sabia que há muitos mais actores a cantar bem do que nós conhecemos." Por exemplo, Isabel Abreu, que já cantava Só Penso Nisso no disco, ou Patrícia Vasconcelos, que actua numa banda de jazz. O grande risco, assim, para além de ter num pequeno palco um grande grupo em que todos cantam e dançam e mudam os adereços - um espectáculo total -, foi fazer um original português em que se teve que montar tudo muito rapidamente.
A ideia de transformar o disco num musical partiu de Adriano Luz. "Às vezes temos espectáculos e ideias que nos habitam durante anos, e este cabaret é muito anterior ao Cabeças no Ar, mas por isto ou por aquilo nunca encontrei o tempo certo para o fazer, a música certa para o fazer. Quando fiz os Cabeças no Ar, o Manuel deu-me o CD do Assobio da Cobra, e de repente o disco tem o ambiente que eu estava a procurar."
Já o compositor ficou "desconfiadíssimo". Não por falta de unidade entre as canções, que falam "das relações homem-mulher como um elogio, a mulher é tratada de uma forma muito interventiva que eu e o [João] Monge partilhamos", e sim pela quantidade de energia que consumiria. Mas, segundo Manuel Paulo, "o desafio acabou por prevalecer".
As canções mantêm-se fiéis ao disco, Manuel Paulo apenas as simplificou para "uma secção rítmica e trombone", "uma banda de bar". Canções com réstias de vaudeville e jazz, que pela primeira vez se encontram ao vivo, pois O Assobio da Cobra foi um disco que, devido aos muitos vocalistas convidados, nunca subiu ao palcos. Agora, está previsto levar o musical, em Dezembro, a outros teatros municipais do país.

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