Dimas ou a saída de Montemuro que nunca chegou a acontecer

Música, teatro e dança unem-se para contar a história de Dimas.
A improvisação
é a base da peça

Graeme Pulleyn, actor e encenador inglês, saiu do teatro que fundou - o Teatro Regional da Serra de Montemuro - há dois anos e queria fazer uma peça com "um pé no Montemuro e outro pé fora". Queria sair do universo de Campo Benfeito, uma pequena aldeia do concelho de Castro Daire, perto de Viseu, onde viveu 15 anos. Mas, mais uma vez, foi do alto dessa aldeia perdida na serra de Montemuro que veio a inspiração e foi lá que nasceu Dimas, que se estreia hoje no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.Dimas, nome da peça e da personagem principal interpretada por Graeme Pulleyn, é uma mistura de pessoas que o encenador de 39 anos conheceu na aldeia idosa e isolada, com pouco mais de 50 habitantes - um velho homem que tinha uma mina de água doce (tal como a personagem), um homem novo que perdeu a namorada, e uma mulher que emigrou para o Brasil e que regressou à sua terra 49 anos mais tarde.
A peça conta uma história que nasceu ela própria de histórias contadas ao encenador pela população idosa de Campo Benfeito, e reflecte a ruralidade da Beira Alta até ao mais ínfimo pormenor: na linguagem, na gente simples que retrata. Agricultores, lobos que atacam rebanhos, uma sexualidade infantil, um momento de cegueira emocional que se prova irreversível - este é o mundo de Dimas e sua irmã Isabel, que sobrevivem sozinhos após a morte dos pais.
Graeme Pulleyn chegou a Montemuro há 16 anos como animador cultural, integrado num projecto de intercâmbio de jovens estrangeiros, depois de ter concluído o curso de Estudos Teatrais e Artes Dramáticas, em Inglaterra. Graeme começou imediatamente o trabalho como actor - imitou e observou e aprendeu português sem uma única aula. Hoje, diz com um leve sotaque beirão: "É um mundo fascinante, muito acolhedor e que nos engole. Acho que o mais interessante em termos de história são, exactamente, as comunidades em permanente crise - fico aqui ou vou embora, amo ou odeio isto, este tipo de questões."
Questões que explorou com o Teatro Regional da Serra de Montemuro, que fundou em 1990, em peças como Lobo, El Gringo e Alminhas. Saiu há dois anos, manteve-se um ano enquanto artista associado, mas queria novos projectos. "Queria contacto com pessoas novas, que me pudessem desestabilizar e trazer novas influências, e que me fizessem ver o meu trabalho de forma diferente." Conseguiu-o, diz, com o contrabaixista Carlos Bica, músico de jazz português que já trabalhou com a cantora Maria João e o fadista Carlos do Carmo, e com Suzana Branco, actriz de 27 anos, que a ele se juntaram na improvisação que é Dimas.
"O texto foi aparecendo. Eu tinha uma ideia básica e depois eu e o Carlos improvisámos juntos sobre a história até que esta se começou a fixar", diz. Elogia ainda a entrada de Suzana Branco no projecto: "Ela entrou de uma forma muito solta e corajosa, sem medo de experimentar." E é isso que Dimas também é - uma história construída a três, em que a personagem rural de Graeme Pulleyn é acompanhada pelo som melancólico e improvisado do contrabaixo de Carlos Bica e pelas vocalizações e dança de Suzana Branco, que se assume como "o contraponto feminino". "A música interage com o que eles estão a fazer e eu, por sua vez, reajo. É um trio onde todos estamos a jogar", explica Carlos Bica. "Nenhum espectáculo vai ser igual."
Algo diferente do que Graeme Pulleyn conseguia com agricultores que se transformavam em actores, no teatro regional que trouxe nova vida a um lugar que há muito parecia esquecido. O encenador foi para Montemuro para animar e cumpriu a sua missão. O casamento com uma residente local reforçou ainda mais a relação com um espaço que diz fazer parte da sua identidade. "Cada vez mais percebo como aquele lugar me afectou, se entranhou e influenciou a minha identidade." Dimas reflecte a adaptação que fez: "É tentar absorver aquilo que ouves e vês."

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