Quando Lisboa e Porto ficaram mais perto

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Depois da construção da A1, o trajecto entre Lisboa e Porto podia finalmente ser feito em cerca de duas horas e meia DR

É sexta-feira, 13 de Setembro de 1991. Faz sol junto ao nó da A1 em Condeixa. Ao quilómetro 180 foi colocado um marco de aço inoxidável com 27 metros de altura. A escultura, da autoria do arquitecto Charters de Almeida, custou 60 mil contos. Há quem considere que foi um desperdício de dinheiro. Mas a obra lá está, a marcar o cenário da festa que acontece nesse dia "verdadeiramente histórico", como então o descreve o primeiro-ministro Cavaco Silva: o dia da abertura do último troço de uma via que tinha começado a ser construída três décadas antes. E que finalmente ligava Lisboa ao Porto. Foi há 15 anos.

"Esta é a imagem do Portugal novo, em andamento", disse o primeiro-ministro na cerimónia. Os 86,5 quilómetros entre Torres Novas e Condeixa que faltavam para unir de uma vez a capital à segunda maior cidade do país eram a concretização dum "sonho de muitas gerações", segundo Cavaco Silva.

O trajecto entre Lisboa e Porto tinha crescido aos soluços, mas podia finalmente ser feito em cerca de duas horas e meia, por 2235 escudos, o equivalente a pouco mais de 11 euros. Um veículo ligeiro (classe 1) faz hoje o percurso com 18,15 euros.

Numa altura em que o país vivia a euforia das inaugurações e o início da campanha eleitoral estava a uma distância de dois dias apenas, ficava definitivamente para trás a memória do tempo em que não havia outra alternativa à viagem entre Lisboa e Porto que não a Estrada Nacional n.º 1 e as suas nove horas ou mais de caminho - "Saíamos de manhã de Lisboa, para tentar chegar a tempo de jantar no Porto", recorda José Miguel Trigoso, secretário-geral da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

O primeiro passo tinha sido dado em 1961, ano em que a A1, ainda hoje considerada pelo porta-voz da Brisa "a espinha dorsal do sistema rodoviário" português, começou a ser construída e em que os primeiros metros foram estreados.

Na estreia, Salazar deteve-se nos "pontos mais encantadores"

Jornal O Século, edição de 28 de Maio de 1961: "O sr. prof. Oliveira Salazar apreciou não só a construção da auto-estrada mas também as interessantes paisagens que dela se desfrutam, pedindo, por vezes, que se abrandasse a marcha do automóvel nos pontos mais encantadores" - o relato do passeio discreto de Salazar ao longo daquele que foi o primeiro troço da Auto-Estrada do Norte vem publicado no dia da inauguração.

O presidente do Conselho experimentou, na véspera da cerimónia oficial, os menos de 23 quilómetros que ligavam Lisboa e Vila Franca de Xira e que haviam custado 303 mil contos - pelas suas contas, deveriam estar amortizados em 30 anos. Preço da portagem para os veículos ligeiros: 5 escudos.

A 28 de Maio a confusão era maior. Relata o Diário de Notícias que 20 mil veículos quiseram estrear o eixo logo nos seus primeiros momentos de existência - numa altura em que em todo o país não existiriam muito mais do que 220 mil automóveis.

Como viria a acontecer 30 anos depois, o ambiente era de festa. A A1 não era a primeira auto-estrada do país - já havia um pequeno troço de oito quilómetros entre Lisboa e o Estádio Nacional -, mas o novo empreendimento, feito "exclusivamente por portugueses", como foi repetido na cerimónia inaugural, era naquele ano de 1961 visto como "o progresso" a correr "sobre o asfalto", na expressão de O Século.

Soluções inéditas na construção

Junto à portagem de Sacavém, com o Presidente da República Américo Tomás, o cardeal-patriarca, vários membros do Governo e convidados especiais, houve discursos e promessas. "Iremos esforçar-nos por assegurar o completamento gradual desta auto-estrada", disse o então ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira.

Em 1963, Américo Tomás inaugurou mais uma pequena fatia - 3,5 quilómetros entre os Carvalhos e St.º Ovídio. Mas o troço que se seguiu só foi aberto em 1977, 14 anos depois: 7,5 quilómetros de Vila Franca ao Carregado. Dez anos depois, a auto-estrada já ligava o Porto a Coimbra, mas para sul do Mondego foi preciso esperar ainda mais algum tempo.

Feitas as contas, a A1 assistiu a mais de uma dezena de inaugurações de troços (umas mais discretas do que outras) ao longo de um período que começa no Estado Novo e termina na democracia.

Mário Franco Martins, no livro 25 Anos de Engenho e Arte, editado pela Brisa, em 1997, nota que durante alguns períodos da história a utilidade das auto-estradas foi muito questionada. Em 1982, por exemplo, um relatório feito a pedido do Governo por um grupo de peritos estrangeiros defendia que não fazia falta uma entre Lisboa e o Porto.

Certo é que o trajecto da A1 foi ganhando forma. A entrada dos fundos comunitários no país acelerou a construção. Não sem peripécias. O sublanço Vila Franca de Xira-Carregado, inaugurado em 1977, por exemplo, foi um dos que requereram maiores cuidados técnicos. E um dos que exigiram soluções inéditas. Por exemplo: "Na zona do nó de Vila Franca, para conter os aterros da auto-estrada junto da EN10, foi, pela primeira vez em Portugal, construído um muro de "terra armada", depois de algumas sérias discussões com entidades oficiais sobre a eficácia do sistema", lê-se no livro de Mário Franco Martins.

Na etapa final da A1 haveria mais debate e polémica (ver caixa). Mas o projecto avançou a passo de corrida: em 26 meses apenas foi construído o percurso de Torres Novas a Leiria. Daqui a Condeixa, bastaram 20 meses.

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