Lei impede discriminação de deficientes e outros doentes nos seguros de vida

Um vulgar crédito bancário à habitação era sistematicamente negado a pessoas com deficiência ou com algumas doenças, por falta de seguro

Há cerca de 10 anos, Fernando Almeida, solteiro, deficiente e com um emprego certo, decidiu aventurar-se na compra de uma casa. Deparou-se com dificuldades inesperadas para fazer um seguro de vida, uma condição exigida para conseguir um empréstimo bancário. Uma lei de 29 de Agosto vem agora em defesa de quem enfrenta situações semelhantes.Fernando Almeida, 45 anos, que diz não ter limitações de mobilidade, bateu à porta de várias seguradoras e, depois de ser visto pelos respectivos médicos, a resposta era sempre negativa: "Davam-me sempre uma desculpa, diziam que tinha um problema do coração ou que era deficiente motor."
Foi a cinco companhias, o que arrastou o processo durante um ano. Quase arriscava a perder o dinheiro do sinal que tinha dado como garantia do seu compromisso na compra da casa.
Só uma companhia estrangeira aceitou fazer-lhe um seguro de vida, mas o contrato saiu-lhe caro. "Cheguei a pagar mais de seguro do que empréstimo ao banco por mês", recorda Fernando Almeida.
Alguns anos depois, Fernando decidiu comprar outra casa um pouco maior e quis fazer um novo empréstimo. O banco acabou por lhe facilitar o crédito sem exigir um seguro de vida devido à sua fidelidade como cliente. E pediu apenas que fizesse um seguro contra incêndios.

O que diz a leiA recusa em fazer um seguro de vida a uma pessoa com deficiência ou com risco de saúde agravado passou a ser uma prática proibida ao abrigo de uma lei que entrou em vigor na semana passada [a 29 de Agosto].
A lei 46/2006 abrange as discriminações directas e indirectas a pessoas com deficiência e a "pessoas com risco agravado de saúde". Entre as práticas discriminatórias proibidas estão a recusa ao crédito bancário para compra de habitação, bem como a recusa e penalização na celebração de contratos de seguros. São também punidas a recusa ou limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, e aos transportes públicos quer sejam aéreos, terrestres ou marítimos.
A história de Fernando Almeida é igual à de tantas outras pessoas que têm deficiências ou que sofrem de determinadas doenças e que por essa razão não conseguem contrair um simples crédito bancário.
É o caso de pessoas que tiveram cancro e que ficaram com algumas sequelas. "Mesmo quem tenha um cancro já curado não conseguia fazer um seguro", explica Joaquim Rodrigues da Silva, responsável técnico pela revista de consumidores Dinheiro e Direitos. E, quando o seguro era aceite, "os agravamentos eram brutais", acrescenta.
Por ano, a revista Dinheiro e Direitos recebia cerca de 20 queixas ou pedidos de esclarecimento sobre este tipo de práticas discriminatórias.

Falta saber quem aplicaHumberto Santos, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), explica que há certos grupos de doentes, como os hemofílicos e os que sofrem de insuficiência renal, que são confrontados com recusas sistemáticas quando querem fazer um seguro de vida.
"As companhias não o fazem ou oneram significativamente os custos da apólice. No caso dos deficientes orgânicos é mesmo recusado." Para Humberto Santos, estas práticas não fazem sentido: "Em muitos casos de deficiência, há pessoas que ficaram com sequelas de um acidente ou de uma doença e que são saudáveis." Por isso, diz, "não há razão nenhuma para que os custos sejam agravados".
O presidente da APD lembra que as novas regras em vigor vêm dar algumas armas aos deficientes que se queixem de discriminação no acesso ao emprego, já que obrigam as entidades visadas a provar que as diferenças de tratamento não assentam em nenhuma das práticas previstas na lei.
O diploma ainda precisa de ser regulamentado. Falta clarificar quais as entidades que vão aplicar as sanções definidas na lei - que podem ir uma simples advertência pública à interdição de exercer actividade que dependa de licença autorizada por entidade pública.

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