O fura-casamentos

Amigo, co-argumentista e actor para Wes Anderson (com quem co-escreveu "Gostam Todos da Mesma" e "Os Tenenbaums"), Owen Wilson tornou-se num dos valores mais seguros da nova comédia americana graças à sua parceria com Jackie Chan em "Shanghai Noon" e "Em Defesa de Sua Majestade", consolidado com o triunfo nas bilheteiras de "Os Fura-Casamentos". De tal modo que este "Eu, Tu e o Emplastro" que agora cá chega é aquilo a que se costuma chamar um "veículo", uma fita desenhada à medida dos talentos do seu actor principal (aqui não apenas actor mas também produtor), entregue a um realizador sem sinais particulares que cumpra o que lhe é pedido sem mais delongas (no caso, os irmãos Anthony e Joe Russo, autores da desengraçada "remake" de "Gangsters Falhados" com William Macy e George Clooney). Ou seja, uma fita que aposta na "imagem de marca" de Wilson como eterno adolescente de cabelo louro surfista, "tanguista" de bom coração cujas boas intenções acabam em desastre. Randolph Dupree, o "emplastro" do título português, é precisamente isso: o centro da festa onde quer que apareça. Um daqueles gajos porreiros que está sempre pronto para um bilhar, uma noitada de copos, uma jantarada depois do futebol. Mas, também, um irresponsável incapaz de aguentar um emprego e que, depois de perder o último, fica sem casa e assenta arraiais na casa do recém-casado melhor amigo "temporariamente" - lançando desde logo o caos na ordenadinha casinha suburbana. A premissa nem é especialmente nova (estamo-nos a lembrar, por exemplo, de uma fita francesa de 1980, "Um Pendura dos Diabos", onde Michel Blanc era o despedido que assentava arraiais em casa de um casal amigo), e durante a primeira parte o filme ameaça ser uma daquelas comédias de "gag" único, repetido até à exaustão de modo mais ou menos alarve.

E, depois, algo acontece: o guião de Michael Le Sieur desvia o foco para a relação entre Carl (Matt Dillon em magnífico "underacting") e Molly (Kate Hudson a continuar a esforçar-se para ser a nova Meg Ryan), cujo casamento está sob ataque não apenas do caos do hóspede inesperado mas, sobretudo, do pai-galinha de Molly (Michael Douglas a divertir-se consigo próprio) que é também patrão do genro. O conceito original do pendura-catástrofe é ejectado à medida que Dupree percebe que não se pode continuar adolescente toda a vida e dá passos bem sérios não apenas para não acabar "barfly" (atenção ao "cameo" delicioso de Harry Dean Stanton) - e, à imagem de "Os Fura-Casamentos" (mas com mais elegância), de "Virgem aos 40 Anos" (mas com menos piada) e de "Separados de Fresco" (mas mais conseguido), "Eu, Tu e o Emplastro" torna-se no mais recente exemplo da nova comédia americana que, por trás do "gag" evidente vendido pelo marketing que promete alarvidade q. b. para deliciar o contingente adolescente, esconde um coração a bater e gente de carne e osso confrontada com problemas emocionais mais sérios do que daria a entender.

Wilson continua a ser capaz de melhor do que este registo paredes-meias com o irritante (lembremo-nos, lá está, de "Um Peixe Fora de Água", da "alma gémea" Anderson), os irmãos Russo filmam tudo de modo razoavelmente indiferente (apesar de pontuais "gags" visuais bastante divertidos), desaproveita-se em completo o fantástico boneco de Seth Rogen (o amigo casado com uma megera) que dá vontade de ver num filme só seu, mas "Eu, Tu e o Emplastro" (por uma vez, a tradução livre do título português enquadra-se na perfeição no filme) é uma comédia que consegue ser divertida, sensível e inteligente ao mesmo tempo. Faltaria só um bocadinho mais de rigor para chegar ao nível de "Virgem aos 40 Anos", mas já é bastante bom que lá chegue perto. Conselho de amigo: não saiam sem o genérico final acabar.

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