RAMOS-HORTA A DURA MISSÃO DO ÚLTIMO HERÓI DE TIMOR-LESTE

Depois de anos de esforços para conquistar a liberdade do seu povo, o primeiro-ministro timorense, Prémio Nobel da Paz, tenta agora manter a sua nação unida. As boas intenções que demonstra inquietam até os amigos pessoais. "Ele fala dos seus sonhos para este país e eu só espero que os seus sonhos não se tornem pesadelos." Por Joel Rubin, em Díli

Por vezes, parece que José Ramos-Horta pensa que pode resolver os problemas de Timor-Leste, a uma pessoa de cada vez. Fazendo o seu caminho através de montanhas inóspitas, o novo primeiro-ministro deu ordem ao seu motorista para parar. Um homem frágil, idoso, aproxima-se, curvado. Ele não pede nada, mas Ramos-Horta coloca-lhe dez dólares na mão magra. Vira-se para um grupo de mulheres e compra-lhes três sacos de feijões, no valor de 60 dólares.Um hora mais tarde, Ramos-Horta dá os feijões a uma mãe sentada numa cabana com os seus filhos e o pai cego. "É incrível", diz Ramos-Horta numa voz grave com profundo sotaque português. "Olhem para estas pessoas, são tão pobres e, ainda assim, pedem tão pouco. E mesmo esse pouco, não lhes estamos a dar." Mas também ele está cansado. Ele queria que Timor-Leste não precisasse novamente de si. Vinte e quatro anos passados no exílio percorrendo os corredores mundiais do poder, a tentar conquistar a liberdade para a sua pequena nação deixaram-no cansado. O que ele quer agora é dormir até tarde e passar dias na praia. "A confiança das pessoas assusta-me. Conheço as minhas fraquezas", afirma Ramos-Horta, que nunca foi acusado de ter um ego pequeno. "Eles pensam que sou um génio, pensam que sou um profeta, quando sou, na verdade, uma personagem de pecado. Mas, de algum modo, porque sou da maneira que sou, eles confiam em mim... Eu sinto o peso do país nos meus ombros e como posso dizer que não às pessoas comuns?"
Ramos-Horta, que partilhou o Prémio Nobel da Paz em 1996 com o bispo Carlos Ximenes Belo pelos esforços para dar independência à sua terra natal, tem sido puxado para o papel de salvador, à medida que Timor-Leste ameaça dividir-se, quatro anos depois de se ter tornado a mais nova nação do mundo.
Após séculos como colónia portuguesa, Timor-Leste foi invadido pela Indonésia em 1975. Dias antes, um jovem e ambicioso Ramos-Horta fugiu para a Austrália, enviado pela elite política timorense para servir de ligação do país ao mundo exterior. Quatro dos nove irmãos e irmãs de Ramos-Horta estavam entre as 200 mil pessoas que a Amnistia Internacional estima que tenham morrido durante a ocupação.
A ocupação indonésia chegou ao fim em 1999 quando o Governo indonésio permitiu aos timorenses que votassem a sua independência. O referendo desencadeou um tremendo espasmo de violência à medida que milícias apoiadas pelo Exército indonésio mataram mais de mil pessoas e destruíram aldeias e cidades. Com Timor-Leste mergulhado na confusão, as Nações Unidas assumiram o controlo por dois anos e meio (...). Este Verão, o caos político e os motins regressaram à capital. O Governo caiu e o país quase ficou em queda livre. O Parlamento escolheu então Ramos-Horta para primeiro-ministro.

Uma anomalia(...) O adorado Presidente, José Alexandre "Xanana" Gusmão, que conduziu a resistência armada contra a Indonésia, está cansado do seu papel político. Ramos-Horta é o último herói de Timor. "Há apenas duas pessoas nesta ilha que as pessoas conhecem e nas quais confiam", diz Gelásio da Silva, padre nesta devota nação católica. "E ele é uma delas."
De muitas maneiras, Ramos-Horta é uma anomalia neste país. As suas camisolas e casacos desportivos são uma raridade entre as roupas rasgadas que a maioria dos timorenses vestem. Numa ilha onde poucos saíram das suas margens, a impressionante moradia de Ramos-Horta está repleta de presentes oferecidos por líderes mundiais: uma grande caixa de charutos de Fidel Castro, um busto do seu herói Robert F. Kennedy. As suas prateleiras têm alinhados livros em cinco línguas, num país onde cerca de 45 por cento dos adultos são iletrados. E apesar de uma educação estritamente católica, Ramos-Horta não é particularmente religioso. A sua pele é mais clara do que a da maioria dos timorenses, reflexo do seu passado misto: o pai era tenente na Marinha portuguesa, até ter sido banido para Timor-Leste por tomar parte num motim.
Mais do que paz
(...) Ramos-Horta está familiarizado com países desenvolvidos. Depois de fugir de Timor, tornou-se o seu representante. De Washington a Nova Iorque, passando por Genebra, ele fez lobby junto de líderes mundiais para que pressionassem a Indonésia. Agora, longe dos gabinetes da ONU e dos confortáveis sofás dos escritórios dos senadores, insiste que, se vai estar envolvido na reconstrução de Timor, ficará satisfeito em deixar as viagens para trás. "Nos últimos anos, tenho estado em todo o mundo, em palácios com reis, com rainhas e com milionários. Aqui, estou a lidar com pessoas reais que testam a minha humanidade." (...)
Muitos timorenses olham para Ramos-Horta na esperança de que ele ofereça mais do que paz. Querem uma vida melhor. Por exemplo, os sistemas de pensões ainda não foram estabelecidos, enquanto o desemprego dos jovens em Díli ronda os 40 por cento. Não foi adoptado um código penal. As estradas estão por reparar e a electricidade fora de Díli está cortada durante a noite.
Ramos-Horta promete melhorias. Em discursos e em entrevistas, afirma frequentemente que quer ajudar os pobres. Quando os habitantes de uma aldeia se queixaram de isolamento, por exemplo, ele disse que iria tratar de fornecer televisões a cada uma das cerca de 400 aldeias do país.

Sonhos e pesadelosMas para alguns que conhecem Ramos-Horta temem que ele não compreenda o quão difícil é transformar palavras em acção. Isso, misturado com as suas esperanças para o país e a sua imagem de salvador, pode estar a preparar o país para outra queda.
"Ele fala dos seus sonhos para este país e eu só espero que os seus sonhos não se tornem pesadelos", revela Ana Pessoa, uma respeitada ministra que foi brevemente casada com Ramos-Horta e é a mãe do seu único filho. "Pedimos-lhe que se abstenha de sonhar, sem antes ponderar. Porque, quando se fala de uma maneira na qual as pessoas acreditam que se está a prometer fazer algo amanhã, pode tornar-se enganador quando o amanhã chegar".
"Se ele falhar, não temos mais ninguém para quem nos virar. Não temos mais ninguém." Exclusivo PÚBLICO/Los Angeles Times

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