Syd Barrett O "diamante louco" deixou de brilhar

Fundador dos Pink Floyd,
era um mito imprescindível
na história da pop. Vivia
em reclusão desde os anos 70

Syd Barrett, fundador e primeiro vocalista dos Pink Floyd, morreu na passada sexta-feira em sua casa, em Cambridge, consequência de diabetes de que sofria, foi ontem anunciado por um porta-voz da banda. Um dos maiores mitos da música pop e um dos seus enigmas mais perturbantes, corporizou como nenhum outro os sonhos e pesadelos da geração de 60. Vivia em reclusão desde 1972, na sequência de um colapso psicológico potenciado pelo consumo excessivo de LSD. Tinha 60 anos. No que foram as únicas declarações da família à imprensa, o irmão Alan Barrett afirmou ao diário inglês Guardian: "Morreu serenamente em casa. Realizar-se-á um funeral familiar privado nos próximos dias."Os Pink Floyd, cujo derradeiro contacto com Barrett aconteceu em 1975, quando gravavam Wish You Were Here - era ele o "crazy diamond" de Shine on you crazy Diamond -, foram igualmente telegráficos. Em comunicado, a banda declarou-se "muito perturbada e triste por saber da morte de Syd Barrett". "Syd foi o farol da formação inicial e deixa um legado que continua inspirador."
É de facto a ele que se deve a existência dos Pink Floyd, génese na cidade de Cambridge, de onde saiu com o vizinho Roger Waters em direcção a Londres - Barrett para estudar pintura na Camberwell School of Arts, Waters para seguir arquitectura no Regent Street Polytechnic.
Seria no ambiente fervilhante da "swinging London" que Barrett encontra o contexto ideal para desenvolver aquilo que seriam os seus Pink Floyd. O nome do grupo, que reunia os de dois bluesman obscuros - Pink Anderson e Floyd Council -, podia apontar para o passado, mas a música que criariam tinha a marca do futuro.
Os dois primeiros singles, Arnold Layne e See Emily Play, eram pérolas da pop psicadélica britânica e revelaram um compositor de uma imaginação e excentricidade ímpares. Era, contudo, pelos longos concertos, som e luz unidos para reflectir no público a experiência psicadélica que os Pink Floyd se tornaram reconhecidos. Pete Townshend, Paul McCartney, Eric Clapton e um então desconhecido David Bowie passavam regularmente pelo clube UFO, Meca londrina da contracultura emergente onde os Pink Floyd actuavam regularmente.
Com a edição, em 1967, do álbum de estreia, The Pipper the Gates of Dawn, a banda ganha definitivamente o estatuto de estrela e, só por ele, Syd Barrett, compositor ou co-compositor de 10 dos seus 11 temas, teria direito a um lugar na história da música pop. Um inovador na abordagem à guitarra - sons extraídos da sua Fender Telecaster, com um isqueiro a percorrer os trastes, seriam copiados até à exaustão -, guiava os restantes Pink Floyd por improvisos com início nos anseios libertários do jazz e fim na viagem em direcção a uma galáxia desconhecida. Sonhador inveterado, cantava os versos "Wondering and dreaming/ The words have different meaning" e, ao fazê-lo, como que anunciava nova alvorada do sonho surrealista, agora alicerçado no formato de uma canção pop.
Para Syd Barrett, porém, a alvorada foi também o crepúsculo. Pouco após a edição do disco, à medida que aumenta para níveis proibitivos o consumo de LSD, o seu comportamento torna-se errático e os sinais de um colapso psicológico são cada vez mais evidentes. Da lenda fazem parte os concertos passados a tocar a mesma nota na guitarra ou o olhar vítreo, ausente, que tanto assustou os companheiros de banda.
Quando há alguns meses falámos com o realizador Peter Whitehead, a respeito da edição de London 1966-1967, DVD que regista a banda em estúdio e no palco do UFO, este disse-nos que o seu filme estava envolto em escuridão: "Porquê? A resposta é bastante óbvia. Porque Syd Barrett está morto, ou melhor, é o suicida que está vivo."
Assim era. Depois do colapso, desapareceria do olhar do público. Compôs uma canção de Saucerful of Secrets, o segundo álbum dos Pink Floyd, e, definitivamente fora da banda, dois álbuns a solo que o consagraram como génio perturbado. O título do primeiro, The Madcap Laughs (O Louco Ri-se), é elucidativo: canções à beira do abismo, a lucidez possível quanto tudo parece desmoronar-se em volta.

Entre os hospitais e a pinturaPassaria grande parte dos seus últimos 34 anos de vida na casa de infância em Cambridge e, de tempos a tempos, em hospitais psiquiátricos onde, adensando o mistério do seu ocaso, nunca lhe foi diagnosticada qualquer doença.
Durante esse período, abandonou o nome Syd, que adoptou nos anos 60 de um baterista jazz de Cambridge, e retomou o de nascença, Roger Keith. Não mais pegou na guitarra, eliminou da memória os Pink Floyd, esquivou-se dos jornalistas e fãs que o abordavam e retomou o gosto pela pintura - na biografia Madcap, de 2002, o jornalista Tim Willis descreve grandes telas de pintura abstracta que tinha espalhadas pelo jardim.
No início deste ano, os Pink Floyd contavam 200 milhões de discos vendidos em todo o mundo. No dia 7 Julho de 2006, quando Roger Keith Barrett morreu na sua casa em Cambridge, o fundador dessa banda, o "suicida vivo" Syd Barrett, há muito tinha desistido de viver.
The Pipper at The Gates of Dawn (Pink Floyd), 1967
A Saucerful of Secrets (Pink Floyd), 1967
The Madcap Laughs (solo), 1970
Barrett (solo), 1970
Relics (Pink Floyd - colectânea de singles), 1971
Peel Sessions (ao vivo na BBC em 1970), 1987
Opel (solo - colectânea de inéditos), 1989
Wouldn" You Miss Me (colectânea - contém o inédito Bob Dylan Blues), 2001

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