Luta por direitos na lei leva marcha do orgulho gay a estrear-se no Porto

Movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros deu "um salto" e faz o primeiro desfile no Porto. E estreia uma nova fase da reivindicação de direitos humanos. Agora com os transgéneros à frente

É a primeira Marcha de Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros) do Porto. Representa uma nova fase, um salto qualitativo na luta política pela reivindicação de direitos como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o direito a adoptar, o direito à não discriminação por género. Com o T à frente, como nunca tinha acontecido em Portugal. Em nome de Gisberta, a transexual morta em Fevereiro. Em nome dos direitos humanos. Que orgulho deseja hoje celebra o Porto? "O orgulho de sermos quem somos, de estarmos numa sociedade machista e heterossexista e de não nos ter acontecido o que aconteceu à Gisberta", responde João Paulo, da organização. "Gisbertas há muitas em maior ou em menor grau", achega Maria Vítor, também da organização.
No calendário do movimento LGBT no Porto há um antes e um depois da morte de Gisberta. O crime "foi a centelha de um grande caminhar", avalia João Paulo. É "pena que tenha de ter acontecido algo tão triste" para haver esta mobilização. Mas o responsável pelo site Portugal Gay acha que o fôlego é tão forte que o caminho se tornou irreversível.
Por uma questão simbólica, o desfile parte, às 15h00, do Campo 24 de Agosto, cenário da agonia de Gisberta. Termina, na Praça D. João I, com a leitura de um manifesto construído em rede. Mantêm-se velhas reivindicações (como a educação sexual não heteronormativa, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo ou o direito a adoptar). E introduzem-se novas, a lembrar a trajectória de vida da transexual.
Da extensa lista constam "uma política de assistência a grupos marginalizados" e a "profunda reestruturação do sistema de protecção de menores em risco". E diversos itens transgénero, como "a inclusão explícita da identidade de género em legislação anti-discriminatória", a "protecção na legislação penal face a crimes de ódio provocados por transfobia" e "o total reconhecimento de género, incluindo o direito a escolher livremente os primeiros nomes".

Uma viragem na cidadaniaNa opinião de Nuno Carneiro, que faz psicologia clínica no Porto e está a fazer doutoramento sobre construção de identidades LGBT, "há aqui duas vitórias simbólicas". "Primeiro: o Porto tem uma marcha". E isto "marca uma viragem do ponto de vista da autarquia, da cidadania", porque "o Porto andou muito tempo a lutar por um arraial", como o que se faz em Lisboa.
A única celebração que a cidade tinha, até agora, era o Porto Pride (que esta noite, como nos anos anteriores, acontece no Teatro Sá da Bandeira). Com a marcha, "a comunidade dá um salto", sai do recinto fechado, percorre a rua. Resultado? "Maior visibilidade, reivindicações políticas". Qual a segunda vitória simbólica? "A marcha começa com uma mobilização à volta de Gisberta, o T está presente para iniciar um processo de marcha", retorque Carneiro.
Gisberta era imigrante, transexual, seropositiva, trabalhadora do sexo. Impossível saber qual destas formas de exclusão pesou mais na cabeça dos miúdos que a terão atacado. Mas foi com a sua morte que o país começou a ouvir falar em crimes de ódio motivados pela identidade de género, nota Carneiro. Despertaram as associações LGBT para a problemática T, que até ali permanecera um tanto negligenciada. Despertaram outros protagonistas da sociedade civil. "Há toda uma mobilização, nacional e internacional, em torno deste caso".
A parada integra a colaboração de movimentos exteriores ao mundo "rosa". Como a Amnistia Internacional, o SOS Racismo, a União de Mulheres Alternativa e Resposta, o Centro das Culturas ou a ATTAC. Coloca-se no plano da luta pelos direitos humanos. "Chama aqueles que já tinham motivação para ir e aqueles que se juntam por causa da Gisberta", entende Carneiro.
Não deixa de ambicionar ser "uma ponte entre a população LGBT e a população em geral", aponta Paula Valença, da organização. "Queremos mostrar as nossas preocupações, os nossos problemas". Mas "é livre, qualquer pessoa pode participar", enfatiza Bruno Maia, também da organização. "As pessoas que têm problemas de visibilidade que venham na mesma, que tapem a cara, que usem uma máscara, mas que marchem connosco".
Significa tal iniciativa que existe uma comunidade LGBT no Porto? João Paulo acha que "há uma sociedade LGBT no Porto e em Portugal, não uma comunidade - "estiveram 30 pessoas na vigília da Gisberta, isso quer dizer que não há uma comunidade, um conjunto de pessoas que se organiza e entre-ajuda". Nuno Carneiro pensa exactamente o contrário: "Se se juntam pessoas para fazer uma vigília - podem ser três, o número não interessa - é porque há comunidade". Prova disso mesmo é que "daquela mobilização saiu uma marcha".
A sociedade portuense é ainda muito conservadora, asseguram os vários activistas contactados pelo PÚBLICO. Em Lisboa haverá mais abertura. Talvez, como diz João Paulo, porque "a maior parte das pessoas não vive com os pais, nem perto dos pais, está mais solta". Talvez, como diz Nuno Carneiro, porque o movimento "se desenvolveu mais cedo - a Ilga tem um centro comunitário, há o arraial..." Mas o activismo ganhou força no Porto, como refere Bruno Maia. E talvez já não haja maneira de voltar atrás.

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