Uma seita messiânica

Joseph Kony é um obscuro líder messiânico que diz querer fundar no Uganda um regime teocrático, regulado pelos Dez Mandamentos. Mas a história do Exército de Resistência do Senhor, criado à imagem do seu líder, está repleta de atrocidades.

Nos 19 anos de luta contra o Presidente Museveni, o LRA tornou-se célebre pelos violentos ataques contra as aldeias do norte do Uganda, o que lhe valeu o infame registo de milhares de mutilações, violações e torturas. O grupo é também conhecido pelo sequestro de crianças, que usa nas suas fileiras, como soldados, carregadores ou escravas sexuais.

As organizações internacionais afirmam que mais de 30 mil crianças foram raptadas desde o início do conflito, que provocou milhares de mortos e obrigou perto de dois milhões de pessoas a abandonar às suas casas para fugir à violência.

Com medo dos ataques nocturnos da guerrilha, muitos aldeãos, na sua maioria mulheres e crianças, são obrigados a percorrer todos os dias dezenas de quilómetros para passar a noite nas cidades, onde a vigilância é maior, regressando a casa ao nascer do dia.

Contudo, as organizações internacionais e a Igreja Católica – promotora das (até aqui infrutíferas) negociações de paz iniciadas em 2004 – sustentam que o Exército ugandês não está isento de culpas, sublinhando que muitas das crianças resgatadas aos rebeldes nunca foram devolvidas às famílias, acabando por engrossar as fileiras governamentais.

Ana Fonseca Pereira/PUBLICO.PT

Uganda: líder rebelde nega acusações de crimes contra a humanidade

Foto
O LRA é acusado pelo TPI de uma campanha de terror sistemática contra as populações civis Karel Prinsloo/AP

Joseph Kony, fundador do movimento rebelde ugandês Exército de Resistência do Senhor (LRA), alega que nem ele nem o grupo que criou são responsáveis pelos crimes contra a humanidade de que são acusados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

"Sou um combatente pela liberdade que luta pela libertação do Uganda, não sou um terrorista", afirmou Kony, numa entrevista ao jornalista britânico Sam Farmar, do jornal "The Times", que foi transmitida ontem à noite pela BBC.

Em Outubro do ano passado, o recém-criado TPI emitiu mandados de captura contra cinco dirigentes do LRA, incluindo o seu líder, acusando-os de crimes contra a humanidade. Segundo a instância, o grupo, que há 19 anos luta contra o regime do Presidente Yoweri Museveni, é responsável por uma sistemática campanha de terror, que inclui raptos, mutilações e o assassinato em série de civis.

"Nada disso é verdade, é apenas propaganda", declarou Kony, naquela que terá sido a sua primeira entrevista em duas décadas a um jornalista estrangeiro, gravada na selva da República Democrática do Congo, onde o grupo instalou nos últimos anos a sua base.

"Deixe-me dizer-lhe o que está a acontecer no Uganda. As tropas de Museveni vão às aldeias e cortam as orelhas das pessoas e depois dizem às pessoas que isso é trabalho do LRA. Mas eu não posso cortar a orelha do meu irmão", afirmou.

Questionado sobre os relatos das atrocidades atribuídas ao seu grupo, de inspiração messiânica, Kony responde: "Sou um ser humano como tu. Tenho olhos, cérebro e visto roupas, mas eles dizem que não falamos como gente, que comemos pessoas. Nada disso é verdade, se eu fosse um assassino como eles dizem você tinha-se encontrado comigo?".

O líder rebelde negou também que o grupo, ao contrário do que alega a instância internacional, tenha sequestrado crianças para as forçar a lutar nas suas fileiras. "Nós não temos campos de milho, cebolas, couves, não temos comida. Se raptássemos crianças como dizem, o que comeriam elas aqui no mato?".

Kony garantiu que todos os seus homens se juntaram ao LRA em resposta à repressão do Presidente ugandês contra as populações do noroeste do país. "É Museveni quem está a oprimir o povo Acholi e a fechá-lo em campos. A nossa riqueza, propriedade foi destruída por ele (...). Eu não mato civis, mato soldados de Museveni".

A entrevista ao jornalista britânico decorreu pouco depois de o líder rebelde ter apelado ao fim de duas décadas de guerra civil e ao regresso às negociações de paz, propondo a mediação do Sudão, país que o Uganda acusa de apoiar os rebeldes.

"As negociações de paz são boas para mim", afirmou. "Se Museveni aceitar negociar comigo será bom. Poderá trazer a paz ao povo do Uganda", concluiu.

Apesar dos apelos, Museveni permanece céptico quanto às intenções dos rebeldes e sustenta que o LRA é agora um movimento sem capacidade de acção, ainda que Kony garanta ter três mil homens ao seu dispor.

Sugerir correcção
Comentar